sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Solidão


de Solivan

Minha alma é errante toca em tudo

Entra nas cobras,
entoca-se no cerne das árvores,
nos rios,
em balaios kaikanges,
dentro
de uma andorinha em migração,
dentro de um abutre
e consegue comer como carniça com gosto.
Minha alma entra
numa orquídea e explode em flor.

Cavalga no centauro Gerridae
pelos sete mares.
No grifo Actias Luna
que voou em torno do sol
até morrer.

Minha alma viu
o caçador levar a anta abatida
nas costas até o shopping center,
estaquear, carnear e comer.


Minha alma sentiu
e gritou:
Beethoven, Beethoven!
como deve ter sido difícil
e pesado levar dentro
do peito a nona sinfonia,
deve ser como ter uma tempestade no peito
se debatendo dentro do útero,
chutando a barriga.
Que alivio quando finalmente nasceu.

De Solivan

Lamento antes de uma batalha

A armadura é muito quente no deserto,
e a poeira e o elmo sufocam.
Mas o rei quer sempre mais batalhas carmesins.
Lembro quando matei meu primeiro inimigo
e conheci um jubilo da vitoria,
fiquei cheio de confiança e poder.
Porém agora estou cansado de sangue, cansado de mortos
e de ver nossas feridas tratadas apenas com orações e afagos.
As palavras do rei antes das batalhas
não me amimam.
Sei que é fácil matar
os que perderam a vontade de lutar,
mas eu só quero voltar para casa
e sentir novamente o gosto de uma maça fresca.

De Solivan

Motivos orientais

Preocupou-me um problema insolúvel
até o dia que ouvi
a o passear no jardim
um ancião
dizer cheio de felicidade a uma libélula:
“Ainda temos todo este verão de vida”.

De Solivan
do livro incoerências

Banho de Sol

Numa manhã fria
tomando sol
num pedaço de quintal
entre uma jabuticabeira
e um resto de horta abandonada,
velhas roseiras
e entulhos.
Fechei meus olhos
fiquei ali,
o ardente amarelo
transpassando
minhas pálpebras fechadas,
inerte,
só sentindo
o calor agradável,
sem pensar em nada,
sem ser nada.
Não existir
foi delicioso.
Quando abri meus olhos,
pensei:
Talvez
a jabuticabeira
seja feliz.

de Solivan
do livro incoerencias

Frida(fragmento)

Frida, Frida que dó que sinto.
Pregos, facas, flechas
em teu corpo.
Frida, Frida que dó que sinto.
Pregos, facas, flechas
em teu corpo.
Médicos em couraças romanas
martelam pregos em teu antebraço.
Pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos
pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos pregos
Teu corpo parece a tábua do atirador de facas.
Facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas facas
Um veadinho São Sebastião.
Flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas flechas
Frida dor, Frida dor.

Que coragem tem uma mulher ao morrer!
Que coragem! Homens são covardes.
Diego sente o hálito da morte na boca de seu túmulo.
Por que morrer
Frida ferida?
Ai, teu útero de frutos verdes.
Dá-me seu cabelo cortado
quero fazer tranças e feitiços.
Põe velas para Karl Marx.
Faça promessas a Karl Marx.
E procissões a Karl Marx.
Dê Fé mexicana a Karl Marx.
Peça aquela mulher
para pôr o pênis em você.
Frida sobre uma coluna quebrada
sustentou Diego.
Ai, pensava em Diego.
Ai, como Diego pesava e como era leve.
E como Diego era lágrimas e como era sorriso.
Tequila para Frida.
Tequila que queima minha língua.
Tequila queima, é fogo do Espírito Santo.
Por que morrer Frida?
Por que, morrer estes teus olhos fortes de toureiro
em frente ao touro?
Por que morrer Frida, por quê?!
Ai, queria ter sido um filho teu
destes que não vingaram
três meses em teu útero
valeriam por noventa anos de vida, Frida.
Três meses vestido com teu corpo.
Três meses ouvindo tua voz carinhosa.
Às três horas
depois da siesta
fazia amor com Diego
na tarde quente.
Ele dizia coisas engraçadas e você ria
depois alimentava pavões no pátio.
Por que morrer, Frida, por quê?


De Solivan
do livro encantador de serpentes

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Dança



De Solivan

Decomposição

Que nunca venha o definitivo,
o definitivo não tem espermatozóides,
a decomposição sim e fértil,
e a degradação que se põe ao redor da semente,
não se aduba com diamantes.
Só a aversão prolífica,
celebro a cicuta parricida,
cobra sempre envenenou sua comida
e depois
o antagônico e o leite, o colostro
que protege as gerações da anemia e do tédio.
Nunca foi
as contrações, o parto
e nem o apogeu do novo que importa,
mas seu declínio,
é no apodrecimento que se entende o gênio
na dissecação.
A ruína de um período
é um rito de passagem,
só é perene aquele que sobrevive
a própia decadência.
O eterno precisa morrer ao menos uma vez,
para que possamos encostar o ouvido
no peito dos séculos
e ouvir o ritmo cardíaco dos ciclos.

De Solivan

Decantação

Antes de bebidas
pelas cidades
as águas deveriam
serem coloridas pelo amanhecer
e o entardecer.
Refletir verde amargo das arvores
que faz bem para os estômagos.


De Solivan

Atentado com bomba de bambu

Em uma embaixada
uma sombra
plantou sob a grama
uma revolucionaria bomba de bambu.
Como mina,
um passo ou a chuva
causou sua detonação.
Saiu da terra sua primeira farpa
e logo em estilhaços lançou
suas folhas elegantes e dóceis.
Sem pressa cresceu,
durante décadas explodiu
calma e ternamente
seu fogo verde e fresco.
Na sua fumaça
gerações de
pombos chocaram seus ninhos.


De Solivan

Homenagem ao amarelo

O sol e a mãe amarela
com seu úbere de raios mornos
amamenta a vida.

Plantações de girassóis
bebem grandes quantidades de amarelo.

Amarelo não se perde
se uma flor de ipê morre
seu amarelo evapora
e é sugado pelos canários.

Todo o pássaro vem do amarelo
tem sua gênese na gema
portanto todo o vôo tem sua iniciação no
amarelo.


De Solivan

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Chinelos Azuis


De Solivan

Retrato falado

Seus olhos são baços e pequeninos
delicadamente colocados
sobre a renda das rugas.
Mas seu olhar tem uma imensidão que
lembra o mar.
O ar de oitenta anos de sorrisos
desgastaram seus dentes
como o vento, uma rocha.
Ele tem um chuvisco com
arco-íris cada vez que fala contra o sol
e suas palavras rodam
nos cérebros como
folhas de outono
quando entram pela janela dos ouvidos.

de Solivan

Clareiras

O sol estilhaçou-se em estrelas
houve um cheiro de cio
naquele início de noite quente, embalsamada.
Os grilos retiniam cios
pavoneavam suas orgulhosas caudas sonoras.
E eu
estava todo concentrado nos meus olhos
eles escutavam os sons
e tocavam as bromélias.
Estes meus pássaros castanhos
porque o resto de mim
é casulo.
A única parte visível do meu corpo
meus braços brancos
eram objetos cruzados
por sobre a cerca de velhas tábuas cinzentas.
E acima deles via
os cimos com poucas folhas do outono
os galhos negros como sombra
transpassados por estrelas
pareciam ter floração de estrelas.
A íris
passeava dos cimos à clareira,
ia de uma constelação à outra
(um beija-flor de estrelas).
Aspirava à movimentação silenciosa de
Ursas, Zodíacos, Cruzeiro
quase sem quebrá-la com o mastigar das pálpebras.
Essas imagens eram musicadas por
sentimentos
em uma composição que misturava em meu interior
antagônicas emoções
de paz, angústia, alegria, comunhão e solidão.


De Solivan

Sobre Quedas e digressões

Os Polacos ao chegar
fatiaram araucárias
construíram
com este lenho puro imaculado
suas casas.
Católicos martelavam com vigor
porque sabiam que neste lenho puro imaculado
não tinha as mãos de Jesus.
A araucária não tinha o pecado do cedro.
Neste tempo
as ruas de Quedas mudavam
de plumagens ao ano
no verão áspero pó vermelho
no inverno uma nupcial neblina.
Mas dos eslavos e capivaras e pinheirais
da comunidade mítica
desta primeira dentição de madeira
restam apenas
algumas casas apodrecidas.
Hoje as ruas são praticas e cinzas
e prédios matemáticos
feitos de cimento e calculos.
porem em
suas calçadas de hexágonos sem mel
aparecem índios
vendendo balaios.
sua solidão lembra
que esta cidade quando vista de um alto
ainda parece
uma destas cidades perdidas na mata.
Não gosto do sabor insosso
das linhas retas.
Lembro do meu poema
Um poeta não devia nomear
uma rua reta
a rua Mario Quintana não devia ser reta
devia ter joelhos
dobrar esquinas
passar por um barbeiro e livrarias
por uma arvore centenária
por um bar
cruzar uma praça
desorganizar o retilíneo das homenagens.
Uma rota de pássaros migratórios
poderia se chamar Mario Quintana.
Artificialidades não gosto de artificialidades.
Gosto de Gaudí
que fez o frio concreto cometer excessos
cometer luxurias.
Já a voluptuosidade de Niemayer
é uma voluptuosidade seca, estilizada.
voluptuosidade tem que ter exuberância.
seus edifícios parecem esterilizados, sem germes.
Não confio em lugares que não tenha germes
lugares santos são cheios de germes
a beleza e sempre cheia de germes.
Porem artificialidade não e desumana
a artificialidade e algo racional
portanto mais humana que a exuberância.
A exuberância esta sim e algo mais animal
mais artística.
Os bares de Quedas
são os nascedouros das lendas
a cachaça com ervas e lascas de sassafrás
e um santo daime, um peiote.
O Orixá Mario de Andrade desce
como espírito santo
a linguagem entra em transe
peixes tornam-se monstruosos
e em quantidade milagrosas
os tiros são mágicos
e matam uma onça mitológica
e o caçador e o cavalo da anta morta
no êxtase, na língua do sonhar.
E alguém imita um polaco
coro de risos.
Das livrarias
gosto da livraria de seu João
heroicamente agarrada ao passado
um carrapato agarrado ao ano de 1967.
Mesmo o jornal do dia
se comprado na livraria do seu João
já sai um jornal cinqüentenário
e muito mais sábio que mesmo jornal
comprado na outra esquina.
Já é um jornal
para ser guardado
uma relíquia
uma peça de antiquário.

Vila dias
E uma favela paranaense
favela branca, de europeus pobres
com um pouco do marrom terra dos caboclos.
Lá e em todo o oeste e sudoeste do Paraná
a cultura gaúcha
encontrou-se com a do caipira.
E quando culturas se encontram
espera-se choque, divisão ou amálgama.
Nas não houve embate
nem o gaúcho e o caboclo mesclaram-se culturalmente
somente desenvolveram uma coexistência única
O paranaense singularmente adotou como sua
duas culturas que continuam distintas e puras
dentro dele
em uma dualidade tão natural
que nem é percebida.
Nos velórios da Vila Dias
o caixão fica dentro das casas
sala aberta como templo.
Reverenciado pela curiosidade
o morto como um santo no oratório
decorado com coroas de alumínio
cuja as flores cheiram a tinta esmaltadas.
Conversas, chimarrão, rezas e choro
fermentam num bolo sonoro
salgado com suor.
Percebe-se em alguns
um certo sentimento de triunfo festivo
os vivos senten-se vitoriosos
perante a morte.
No bar, musica embriagada
e a vizinha assiste à novela
porque na vila dias a morte é cotidiana
e a morte sem os dramas
das mortes dos semideuses da classe media
a morte é comum, domestica
é parte da vida
não causa traumas.
Gosto de artemistificar a morte
Compara-la a quintais abandonados.
Porque vejo
na briga de galo
entre a guaxuma e o picão
renitência do sempre renascer.
Da inútil na insistência de florir
sua flor feia e dissonante
sua flor desperfumada.
Sempre que vejo quintais abandonados
sinto vontade de ser novamente
o menino
que via revoada de rainhas vestidas
Com azas núpciais
que enluarava telhados
engrutava porões
para-dificava guarda chuvas
cachoeirizava torneiras
e savanizava quintais abandonados.
De o meu brincar sem nunca individualizar
sem nomear, sem especificar
todas as formigas eram formigas.
Assim nada morre
tudo continua, se um gafanhoto morre
não importava
os gafanhotos não morreram
outro igual nascia e o pedaço era reposto.
Meus soldados também eram renitentes
morriam e renasciam
como gaxumba.
Só a perca era uma espécie de morrer
e o achar ressurreição.
Outros quintais abandonados
Em outros lugares são só quintais abandonados
Quintais oníricos
São os quintais de Quedas
Quintais com guaxuma e picão que reencarnam.




De Solivan

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ilustraçoes para" A história do início".




De Solivan

A história do início

Para todos o inicio de um meu conto infantil.

Para Heloisa, minha filhinha


O dia que aprendi a voar


Acho que é feito de varinha de condão o botão que liga a TV, porque quando giro o botão, num gesto mágico, aparecem desenhos de bichos que falam e andam como nas fábulas. Deito no sofá magrinho e ossudo da sala, para assistir um cavalo vestido de zorro que corre para salvar uma moça em uma diligência desgovernada, puxada por seis tartarugas, depois um gorila que vive em uma vitrine, e o episódio que o Fred Flintstones inventa um automóvel movido a peixe-elétrico.
Quando começa o jornal, me espreguiço e tenho a idéia de tirar o botão da TV e colocar em uma revista em quadrinhos. Tento ligar o gibi, mas não funciona, os desenhos não se mexem. Largo minha experiência no chão da sala e vou espiar a ovelha que se esconde do lobo na cozinha, ela parece uma nuvem, sempre escondida atrás do fogão de lenha. Abro a janela e vejo a cidade de Dois Vizinhos. Moro em um apartamento em cima de um posto de gasolina. O meu pai é uma estatua de pedra, e esta no pátio atendendo um carro de corrida, o formula 1 do Emerson Fittipaldi que estacionou, pediu para abastecer, foi a para a borracharia calibrar os pneus e saiu ultrapassando todos os outros carros.
Sinto vontade de sair, desço contando os degraus 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14. No quintal persigo uma fada com asas de borboleta 88, a sigo ate quando ela foge para o bosque das sete árvores ao lado do prédio. Tenho medo de entrar porque neste bosque se esconde um lobisomem com corpo de chipanzé e cara de cachorro louco. Corro com medo, só me sinto seguro quando subo no colo de meu pé de cinamomo, nele salto de um lado a outro, faço de um galho meu cavalo, dali vejo a maior das sete árvores do bosque, é seca e depenada, mas tão grande que pousam nela, além dos passarinhos, aviões e anjos da guarda.
Logo noto meu tio Gelfe, o caçador. Aparece furtivo como um coelho da páscoa, rondando com sua espingarda um tesoureiro, passarinho que tem a cauda parecida com uma tesoura e estava no ultimo galho do pinheiro. Meu tio se aproximou, fechou um olho para ver melhor, e fez sua espingarda dar um grito, o tesoureiro caiu como uma lágrima. Como não vi sair nada da espingarda, nem uma pedra como sai do estilingue, acho que foi o barulho que derrubou o passarinho, machucando o ouvidinho dele, que era muito pequeno para um barulhão daqueles. Desci do cinamomo e o apanhei do chão, ele não sabia mais voar, não sabia mais cantar, nem seu coração sabia bater. Soube que estava morto. Como esta tal de morte deixa as coisas burras!
Meu tio caçador disse que estava muito atrasado, e que eu podia pegar o passarinho, porque ele precisava ir atrás de um tubarão-branco que estava escondido naquele mato, para tirar da barriga dele com uma cesariana, os anões, índios e crianças que tinha comido lá na cidade Sul. Eu já tinha tentado muitas vezes pegar um passarinho com a mão, mas eles sempre fugiam quando eu chegava perto, era como tentar pegar uma música. Fico maravilhado por conseguir segurá-lo e descobrir como era seu olho, vistorio seu bico, abro e analiso suas asas, depois o coloco com cuidado no chão, e faço uns feitiços, digo três vezes: te benzo e te curro com rabo de burro, e faço o tesoureiro ressuscitar. Como ele fica muito agradecido me pede para fazer um pedido. Respondi que desejo apreender a voar. O passarinho me falou que seria fácil, porque já tinha ensinado isto a todos seus filhotinhos, e logo começou a me dar lições de como bater os braços, depois de algumas tentativas corremos pelo pátio, e antes de chegar à rua, consegui agarrar o vento com minhas mãos e levantei vôo, fui subindo, subindo, sobrevoamos os telhados, passamos a praça, fomos até o fim da cidade, paramos para descansar em um fio elétrico. Assim que o céu começou a ficar colorido pelo entardecer, voltamos para casa voando. Entrei no apartamento pela janela do meu quarto.

De Solivan