sábado, 26 de setembro de 2009

Não se preocupem

Não se preocupem, quando o inferno estiver cheio
os demónios podem colonizar
o sol.

De Solivan

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Cine São luiz



De Solivan
para ilustrar o poema
A historia do inicio

Paraíso

Ontem estive no Éden e senti dores no paraíso,
vi anjos lindos morrerem de peste negra
e canários e andorinhas afogados
nadarem em um aquário
que tem forma de um cristo crucificado.
Com saliva de tigre temperei a salada.
Comi carne com sabor de morangos.
Como um dândi
andei com roupas feitos de ovos pelas ruas
com negros
amarrados por correntes e grilhões
feitos de pombas brancas.
Comprei um templo vermelho
um descongestionante nasal
com o qual respiro
cacos de vidro e pedras e giletes
assim consegui
beber chimarrão com água do atlântico.
Junto com humanos que evoluíram de bonodos
e engravidei uma estatua de Afrodite
ouvindo um leão cujo
a pata esquerda cantava como rouxinol
enquanto a esculpia uma pomba
num coração de pedra.
Era paraíso porque trocavam brincos e colares de lacrimas
por zebras mortas
e fabricavam aviões com restos de navios naufragados



De solivan

Mudança

Para meus avós maternos.



Meu olhar infantil vê subir
uma cama de casal
com um lado rude outro bondoso,
mas o desgaste dava-lhe unidade.

Um berço, duas pequenas camas
que recebiam toda noite
trazidas por um colo
delicadamente para não quebrar o frágil sono
o sagrado relicário
de três crianças que já continham sonhos.

A cristaleira anciã
gemeu uma frágil sinfonia de vidros
quando foi erguida
pareceu cheia de pássaros canoros.
E o ano de 36 guardado em suas
gavetas tinha um hálito antiquado.

O relógio que marcava
as horas líquidas de segunda à sexta
as horas gasosas das manhãs de domingo com missas e
as que corriam pastosas nos domingos à tarde.

A cozinha americana,
velha precoce
era o sacrário das bolachas
tinha furtivas marcas de mãozinhas infantis
que a coloriam como um sorriso
numa face.

A singela mesa sobre a qual
todo o meio-dia
ouvidos engoliam gritos sem mastigar
durante as refeições
subiu encolhida, cabisbaixa, canina.

Já a mesa da sala
mais empossada, ergueu-se orgulhosa,
era a mesa das ceias
e nos domingos tinha sobre ela
o leque das cartas de baralho.

Uma caixa
com uma
foto-pintura emoldurada do casal.
Um crucifixo gasto pelo vento
das ave-marias
e um terço pelas ondas do polegar.
Um bule que acordava a todos
com o canto de seu odor de café.

Uma bicicleta
com feridas de ferrugem.

E por último um cão
seu olhar, dois pingos de mel
adoça o amargor amadeirado
incrustado nas línguas.

Na ponta do meu braço erguido
o trapejar de um adeus.
Atrás de mim
uma casa vazia.
A fruta cristalina de meu olho.
nasce
esmago a lágrima
(tem uma oleosa consistência
de saudade e solidão).

De Solivan

A desconstrução do boi

Matar
o martelo afaga a testa do boi
bem entre seu olhar negro e bondoso
cheio de estrelas brancas
e a faca procura um resto de vida
escondida
dentro do seu pescoço
e como um sopro frio
apaga as estrelas assustadas
no olho do boi.
O corte tem um gosto
oxidado e gelado da lâmina
língua abusada metálica dentro da carne.
Do talho
ubre de ordenhações rubras
saem abstrações brutais
de um coração se debatendo
caem vermelhos, brilhos, lampejos
sobre o alumínio
com digitais e moscas verdes.

Estremecimentos
o sangue abundante acomoda-se
aninha-se
transborda pastoso, calmo.
Morte
ainda sai um colar de rubis
no fim lágrimas de um olho vazado.

Estaquear
erguer no galho da cabriúva
a rês de cabeça para baixo
quatro cascos suspensos
pelas pulseiras rudes
de corda de sisal
estranha flutuação de alma


Corear
arrancar o branco
colorir num processo inverso
de retirar
deixá-lo rascunho
de boi a crueza de um esboço
vermelho, inconcluso
riscado de nervos brancos.
Pendurado
ante o matagal enrediço rasurado de inverno
a suave sombra dos ramos
parece arder sobre a cor carne-viva
como mão áspera sobre queimadura.

Decepar a cabeça
pô-la sobre a mesa
o sangue procura os veios das tábuas.
Um corte no abdômen
abre-se num fácil sorriso
e vomita intestino pardo e fedido.
Na bacia.
após o parto
o coração dorme
sobre as vísceras.
O boi morto ainda adula
seu odor de presa
deixa o ar quente e ensebado
e espalha felicidade
moscas varejeiras zunem
coroam os coágulos
como esmeraldas ávidas.
O rabo do cão sorri.
Um menino, pernas e braços finos
magro de barriga grande
olha o pai
com um sorriso atento,
dentro dele uma alegria inocente de oncinha.

Carnear
a faca apaga
os membros dianteiros
deixa no lugar a terra que se escondia
atrás deles.
Abre-se a espinha.
Os posteriores ficam balançando enforcados
após recortados,
retirados
restam dois cascos, dançarinos
de um boi invisível, desconstruído.

De Solivan

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

nuvens com arco-íris




de Solivan

Diário de Ariel

1. Entre
o dia e a noite
pelo jogo de xadrez
o claro e o negro
contornados por horas coloridas
cheguei
a um dia de claridade intensa, de início
fui sublime
esperando ser ao menos
Ícaro entre os anjos,
com movimentos involuntários e inocentes
iguais ao de um coração,
minhas asas agarraram-se ao céu
e escalaram o firmamento.
Ouvi o canto das águias
e passei por um caminho
no fundo de um desfiladeiro monumental de nuvens
brancas e ofuscantes.
Subi maravilhado,
então onde o cerúleo
transforma-se em um negro estampado de
estrelas,
caí, como Lúcifer após a batalha.
Nas mãos, nas unhas sujas de azul,
pedaços de céu apanhados no desespero da queda.
Mas sou cheio de vida
e descobri o prazer do vinho barato
e da guimba pega no cinzeiro
e entre pernas generosas
solto o odor quente e viscoso do meu sêmen
impregnando um quadro pobre
com meu êxtase viril.
Então sou cisne traidor e divino
sobre Leda.

De Solivan

jazz session(fragmento)

E o que é um poema?

O que é um poema?

A melhor definição de algo é sempre sua palavra,
fora a palavra toda a definição é incompleta.

Pode se dizer que um homem
é um bípede,
mas se alguém não anda
ele continua sendo humano.
Que são racionais
mas se alguém nasce sem cérebro
ele continua sendo humano,
Portanto bípede e racionais são em si conceitos falhos
que não servem para todos os humanos,
então a melhor definição para o que é homem
é a palavra homem.

Como a melhor definição para a poesia
é a palavra poesia.
E a melhor definição de uma árvore
é a palavra árvore,
e a melhor definição de uma
pedra é a palavra pedra.

E uma pedra tem alma
e uma árvore também tem alma,
tudo tem alma,
porque, se olhássemos
as pedras
apenas como pedras
e as árvores
apenas como árvores
nos é que não teríamos alma.
Porque uma pedra
não olha a alma de outra pedra
nem uma árvore
olha para alma de outra árvore.
Apenas quem tem alma
consegue ver almas em coisas
inanimadas.

De solivan

Jazz session (fragmentos)

Minha alma,
minha alma
joga uma pedra no ar
e a pedra se transformou em pomba
que continuou a voar
e fez ninho,acasalou,ensinou seus filhos a voar.
A pedra-pomba procurou frutas,
comeu milho nas praças
e restos de pipoca.
Minha pedra pousou nas platibandas
e num entardecer, caiu e morreu.
Sua carne e penas foram reaproveitadas
mas os ossinhos lindos ficaram em um canto da praça,
delicados em uma posição elegante de fossilizados,
Quem diria que uma pedra ia acabar assim,
porque geralmente uma pedra já nasce morta,
mas esta não, esta viveu e morreu.

De solivan