sexta-feira, 26 de março de 2010

Força maxima

Autopsia em um shopping-center morto.

Após incisão no concreto,
retirada as lojas desoladas,
os escritórios.
Foi encontrado nos cofres
ouro enferrujado, diamantes cariados.
De valor apenas
um bezoar nos esgotos.


De Solivan

Motivos indígenas

A kaingang explica como trançar um balaio

A kaingang
pegou um fecho da palavra taquara
raspou com o substantivo faca,
o verde áspero
e repartiu em tiras pálidas.
Com gestos,
fez alguns trançados dançantes, precisos.
O número incerto “muitos” multiplicou
a trama e montou o corpo do cesto.
Algumas tiras
tinge de amarelo, azul e vermelho,
comparando com três pássaros.
E com tiras tingidas
pelas comparações
contornou desenhos indígenas
no centro do balaio.

De Solivan

Vermelho objetivo

Via nas árvores e farmácias
nos supermercados
garrafas e giletes
modos de suicidar-se.
Mas só precisou ter câncer
para amar e lutar
por sua vida.

De Solivan

sábado, 20 de março de 2010


De Solivan

O prego no pé do menino

O prego no pé do menino
Sob os olhos a venda estampada
da distração.
O prego canino oxidado o espera
escondido na realidade.
No pé do menino
floresceu uma rosa
pétalas saem do corte
em um rosário rubro.
Em seu colo, maternal
embala seu pé tingido de dor
que lateja
no mesmo compasso dos segundos.
Se a concha tem o som do mar
no canto de seus olhos tem
sabor de água do mar.

De Solivan

Sobre o amor

Em uma das suas facetas
O amor
engana com seu olhar de eternidade
e Éden
mas é pombo estranho,
sua renuncia deixa algemas, raízes secas
e uvas passas.

O amor também
Calau ou Calandra
e antropofágico enquanto gardênia
mas se negro
cresce como píton engolindo apenas desprezo.

Em versões aladas
a maciez o espinha
e a constrição esmaga seu coração

Quando prestidigitador,
seu truque mais banal
é na proximidade tornar-se invisível
e na distância se corporificar.

De Solivan

Há felicidade

Há felicidade
No poder inquisitorial das editoras
de queimar livro com recusas
ou aprisioná-los em gavetas escuras como masmorras,
seguindo cegamente o Sumo Pontífice Mercado.


De Solivan

sexta-feira, 12 de março de 2010

Poesia dói



De Solivan

Dark side

Prédios velhos e cariados,
suas portas e janelas
gritam como hospitais.
Boates com luminosos
feitos com lulas e
águas-vivas bioluminescentes.
Guizos, hienas, vodus nas esquinas,
crateras de fuzil nas paredes.
Becos mijados, úmidos escuros,
cheios de morcegos
e fetos nos lixeiros.
Mendigos no cio sobre
jornais velhos
ao lado de um cavalo morto.
Carros com arritmia,
ganido de sirenes e tiros.
Nas calçadas seringas e sangue,
crianças viciadas,
travestis siameses,
prostitutas em suspensão corporal
e um vendedores de hot dog,

De Solivan

Demissão de um posto de gasolina

Não quero mais limpar
fadas mortas
nos para-brisas.


Solivan

Fragmentos do diário de Ariel

1. Entre
o dia e a noite
pelo jogo de xadrez
o claro e o negro
contornados por horas coloridas
cheguei
a um dia de claridade intensa, de início
fui sublime
esperando ser ao menos
Ícaro entre os anjos,
com movimentos involuntários e inocentes
iguais ao de um coração,
minhas asas agarraram-se ao céu
e escalaram o firmamento.
Ouvi o canto das águias
e passei por um caminho
no fundo de um desfiladeiro monumental de nuvens
brancas e ofuscantes.
Subi maravilhado,
então onde o cerúleo
transforma-se em um negro estampado de
estrelas,
caí, como Lúcifer após a batalha.
Nas mãos, nas unhas sujas de azul,
pedaços de céu apanhados no desespero da queda.
Mas sou cheio de vida
e descobri o prazer do vinho barato
e da guimba pega no cinzeiro
e entre pernas generosas
solto o odor quente e viscoso do meu sêmen
impregnando um quadro pobre
com meu êxtase viril.
Então sou cisne traidor e divino
sobre Leda.

De Solivan

sexta-feira, 5 de março de 2010

Vanessa


De Solivan para a revista Clic

Manhã em Payador

Torcicolo, tento escrever um poema.
A Janela esta aberta.
Uma pomba rola desconfiada fez um ninho
no beiral da varanda.
Está inquieta e nervosa com a minha presença.
chegou a voar até a árvore mais próxima,
mas voltou logo para seu ninho, para seus ovos.
Tanta determinação, tanto cuidado
por algo que não pede comida,que não exige atenção.
Tento ser meigo, mostrar que ela não precisa ter medo,
mas não vou sair de perto da janela.
Meu computador está na janela,
meu poema aparecerá pela janela,
ela que se acostume com minha presença.
Também estou no meu ninho,
e além do mais
ela também me causa embaraço,
não gosto de seu olhar tão inocente
com medo de mim.
Minhas costa doem, baleada por um torcicolo,
mas não vou sair daqui sem meu poema.
Eu e a pomba somos teimosos.

De Solivan

Sobre pensamentos que tive da Av. Cândido Lopes ou o Alto da Quinze. (fragmento)

Van Gogh
vivo,
já dava sinais do que veria a ser,
andava pelas ruas de Arles
manchado de tinta, doentias manchas de tinta
na pele.
Tinta nas mãos, roupa,
tinta no rosto.
Respirava ar pintado com odor de tinta.
O absinto verde espalhado pelo corpo.
Quando morreu,
a transubstanciação se concretizou
não há mais carne.
Ninguém mais lembra dele
como homem,
mas como um auto-retrato
de orelha cortada.
Van Gogh
o homem que se transformou em pintura.


De Solivan

Blasfêmias de um sacerdotes ébrio

A língua de Deus não é a palavra
a língua de Deus é o momento do gozo
onde vida surge da delicia.
A língua de Deus é a morte
nela o velho morre e o novo nasce.
A língua de Deus é a dor
a espada no cordeiro
que gera o alimento.
Deus não é uno
mora em cada semente, em cada sêmen.
Deus não é vivo
porque tudo o que é vivo finda
Deus é o caos criador das coincidências
E a coincidência, criadora de vida.

De Solivan