Para meus avós maternos.
Meu olhar infantil vê subir
uma cama de casal
com um lado rude outro bondoso,
mas o desgaste dava-lhe unidade.
Um berço, duas pequenas camas
que recebiam toda noite
trazidas por um colo
delicadamente para não quebrar o frágil sono
o sagrado relicário
de três crianças que já continham sonhos.
A cristaleira anciã
gemeu uma frágil sinfonia de vidros
quando foi erguida
pareceu cheia de pássaros canoros.
E o ano de 36 guardado em suas
gavetas tinha um hálito antiquado.
O relógio que marcava
as horas líquidas de segunda à sexta
as horas gasosas das manhãs de domingo com missas e
as que corriam pastosas nos domingos à tarde.
A cozinha americana,
velha precoce
era o sacrário das bolachas
tinha furtivas marcas de mãozinhas infantis
que a coloriam como um sorriso
numa face.
A singela mesa sobre a qual
todo o meio-dia
ouvidos engoliam gritos sem mastigar
durante as refeições
subiu encolhida, cabisbaixa, canina.
Já a mesa da sala
mais empossada, ergueu-se orgulhosa,
era a mesa das ceias
e nos domingos tinha sobre ela
o leque das cartas de baralho.
Uma caixa
com uma
foto-pintura emoldurada do casal.
Um crucifixo gasto pelo vento
das ave-marias
e um terço pelas ondas do polegar.
Um bule que acordava a todos
com o canto de seu odor de café.
Uma bicicleta
com feridas de ferrugem.
E por último um cão
seu olhar, dois pingos de mel
adoça o amargor amadeirado
incrustado nas línguas.
Na ponta do meu braço erguido
o trapejar de um adeus.
Atrás de mim
uma casa vazia.
A fruta cristalina de meu olho.
nasce
esmago a lágrima
(tem uma oleosa consistência
de saudade e solidão).
De Solivan
Solivan, que linda homenagem vc fez para seus avós. Ficou lindo, delicado, noltásgico!!
ResponderExcluirAplausos pra vc!!
Beatriz
só corrigindo
ResponderExcluirnostálgico!!
amo este poema, Solivan
ResponderExcluirminha avó, Gercina Placidina
foi a pessoa que mais me compreendeu