segunda-feira, 2 de maio de 2011
A leveza o êxtase e a rudeza
A Artur Rimbaud
A Leveza
Vai pela estrada Rimbaud, lendo a paisagem
estava escrito no caminho de pedra
disposta em escamas de víboras
que seu andar trôpego de alegria
será barco bêbado sobre um rio
só por Dante navegado.
E no trigo com letras manuscritas
dos monges medievais lia, numa página com
iluminogravuras.
- Minha semente mastigou a terra, fiz-me de terra
e a espiga fulva e relicário onde aguarda o pão.
Nas faces dos ceifadores, o texto
linhas da vida
como palma da mão exposta
nas rugas profundas, rendas ou raízes
em volta desses duros olhos.
Viu o local onde um dia perdeu-se
traduzir-se em ponto de referência
como água vertida em vinho
e seu olhar era criança, despreocupada
num doce balanço sob as páginas da divina comédia.
O êxtase
Vai pela estrada Rimbaud
vê a montanha mergulhar no céu e tingir-se de céu,
membro dentro de um céu fêmea,
e entra num bosque
que se aninha nas suas encostas
e bebe um ar místico
a névoa de tule pintado por Botticelli
estampado com canto de pássaros,
recende a ramagens
a âmbar das resinas e ao suor dos faunos escondidos.
Desce a nascente
e com gestual de tigre
lambe a própria imagem no espelho d’água
enquanto a língua sente o gosto
do bosque diluído em água
dentro dele formam-se imagens
primeiro, Narciso
um instante de escuridão
depois a flor branca.
Então volta com passos crocantes
sobre as folhas secas
deita-se sob os álamos
olha as copas transpassadas
por feixes de luz amarela
com a neblina fulva a passear sinuosa dentro deles
nos cimos tremeluziam
enxame de estrelinhas
pinceladas uma a uma pelo sol.
Fecha as pálpebras quentes
vê então um São Sebastião
de seu corpo magnífico
nu, leitoso, cheio de luz
púbis exuberante, negra e cacheada
alvejado por flechas
de onde o sangue verte elegante como uma lágrima
com rosto pendido e olhar de súplica
veste apenas a sombra das folhas
sob a pálida pele do peito e das coxas.
A rudeza
Vai pela estrada, Rimbaud
no peito o ouro sem metáfora
bebe a si próprio no suor que cai dos seus lábios
e a fome come-lhe o corpo.
O calor faz a alma presa no corpo agitar-se feito um feto inquieto e febril
logo vai despetalar a roxa perna.
No quarto
de odor enfermo como hálito de um celibatário
com a angústia de um pássaro sem asas,
seu coração já coto debate-se ante o céu azul visto da janela.
Poema e ilustração de Solivan
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Sexo entre os elementos da natureza...quase profano...sei lá...fiquei meio inquieta com o poema...rss
ResponderExcluirPaul Verlaine fez Rimbaud conhecer seu próprio inferno, nessas palavras vejo que o inferno não é tão assustador, ele é realmente cruel. rs
ResponderExcluir=]
Seus versos sempe desafiam minha imaginação, desconcertam. A gente lê, relê e não sabe se entendeu, e lê outra vez e começa a desconfiar...
ResponderExcluirGosto muito dos seus versos Solivan, sempre suscitam reflexões. E mais uma vez digo, adoro, adoro suas ilustrações! São Sebastião ficou esplêndido!
um beijo
e parabéns por esta esta bela e cuidadosa construção
Mari espero que seja uma inquietação que não te afaste.
ResponderExcluirIngrid que bom receber sua visita,Rimbaud
ResponderExcluirconheceu o inferno das relações e do ouro
da África.
Beatriz privilegiei o sentir neste poema,não a sua clareza.Acho que alguns poemas ficam melhor assim.
ResponderExcluirBeatriz estava com saudades de sua visita
é uma explosão, Rimbaud rebimboa, arco-íris navegando, revolvendo céus e terra. A última imagem é terrível...mutilado,ferido de morte
ResponderExcluirolhando o azul pela última vez. Chorei...
Cuida suas lágrimas Neuzza,guarda, quero mandar lapidar.
ResponderExcluirFernando Guerreiro, diretor de teatro, montou um espetáculo chamado Pólvora e Poesia, abordando o amor entre ele e Velaine. Gosto do fluxo do seu poema porque traz esse despejar de sensações com as quais Rimbaud também trabalha. Estou lendo Rimbaud novamente e sinto um gosto de descoberta e encantamento; você colabora. Beijos, Solivan!
ResponderExcluirQue bom colaborar Rita,A relação dele com
ResponderExcluirVerlaine era um barco bêbado,um banquete,uma orgia em um barco frágil no meio de uma tempestade.
Lendo o seu livro com a atenção que ele merece. E gostando muito! Muito obrigada, mais uma vez pelo tesouro que me enviastes. Ana
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