terça-feira, 19 de junho de 2012

O cubo

Não sei se é real ou sou um prisioneiro vivendo numa ilusão,
mas me sinto confortável, apesar das luzes, de sua nitidez quase
ofuscante, ácida para as sombras. Gostaria de recolher um pouco
de enorme escuridão à minha volta para maquiar a velhice dos meus
braços, incomodam-me estas duas cobras velhas, rápidas e furtivas,
antebraços com sardas marrons, pele ressecada e puída.
Já meu rosto, escolhi não ver o monstro enrugado no espelho.
Queria ficar entocado na escuridão, quanto ao resto, já acostumei,
a solidão, diria até que me delicia, mas ao entrar neste cubo.
Vim pelo irreal
as nascentes da saliva secas.
O peito cheio de palavras mortas
como peixes apodrecidos no peito
seu odor besunta minha boca.
As mãos inquietas
tamborilavam a agonia.
A gema dentro do crânio
gorada.
A porta fechou com zunido
de samurai cortando
a manhã sedosa com sua espada.
Estava no estômago de um pássaro mítico
entre estrelas.
Após Plutão
refreado pela gravidade do sistema solar
senti o tênue rompimento do cordão umbilical.
Apreensivo
olhei a terra dando voltas descontraídas
mosca ingênua
em frente ao camaleão solar.
E Fiz uma oração azul.
Em nome do Pai do Filho e Espírito Santo




Em nome do Pai do Filho e Espírito Santo
Amém


Tive um breve êxtase, quando adquiri confiança em minhas asas, era o argonauta precursor, que colhera no fundo do universo a história perdida da humanidade, desde sua concepção, provar a teoria na qual é possível capturar as imagens do passado, pois se vemos o brilho de uma estrela que morreu há milhões de anos e portanto, vemos apenas seu passado que chega a terra, é provável, que se formos aos confins do Cosmo poderemos capturar todas as imagens do passado da terra, resgatar mamutes, batalhas, heróis crucificações, povos e trivialidades como um chinês rindo, preciso engolir tudo e voltar com a barriga cheia de imagens. Maravilhado com o Cosmo, passei pela primeira nebulosa. Bilhões de ouvidos esperavam beber minha descrição estudada, pasmo, não consegui moldar o ar dos meus pulmões, esculpir palavras claras, só balbuciei as interjeições disformes do deslumbramento. Mas logo o Cosmo ficou tedioso, nem olho mais esta besteira colossal. O que vejo, quase sempre não difere muito de olhar pela janela em uma noite estrelada. Estou enojado desta imensidão cheia de um interminável e inodoro veneno escuro chamado vácuo, que esteriliza a vida, o Cosmo inteiro é cianureto, fogo ou colisões, que procura e detetiza tudo o que é orgânico e o mineraliza.Vi o incontável, vi o interminável, e ele estava inundado de maldade, nele não havia um só lugar, um enclave, onde a vida pudesse ser cultivada, estamos sós. Inquieto à procura de um passatempo criei teorias.

Sobre a menor partícula da matéria e renovação
“O Big-bang expande, depois contrai a matéria
num ciclo eterno. É a pulsação do coração de Deus”.

- A matéria pode ser dividida infinitamente, há sempre partículas menores, formando uma maior e qualquer substância micro ou macro é complexa com inúmeras formas e
componentes, sejam elas um planeta ou uma partícula.
- Há sempre vácuo entre a matéria, mesmo as mais condensadas, por isso é possível encolher um corpo cada vez mais (de fora para dentro). Mas não é a matéria que encolhe e sim o espaço vácuo entre ela, por isso a densidade continua a existir.
- A matéria é elástica, quanto mais se retrai, mais irá se expandir e tomar espaços (de dentro para fora). A matéria mais comprimida é levada ao excesso de expansão e o excesso de expansão a transforma em matéria negra (tão pequena que atravessa o vácuo de outras), porém, a matéria expandida ou condensada exerce a mesma atração gravitacional.
- Buracos negros são agentes de renovação, levam a matéria para um estágio primordial. Seu empuxo atrai corpos, depois outros buracos negros até formar um macro buraco negro dominante, que comprime as galáxias e restitui a força que a expansão dilui, então explode e faz renascer o Cosmo.
- O Cosmo contém dois ou mais desses macros buracos negros, o Big-bang não foi
uma única explosão, estrelas mais velhas que o universo conhecido são oriundas de
uma explosão mais antiga, há troca de substâncias entre blocos cósmicos, assim não há
perda de matéria.

Então veio a irritação, nada mais conseguia fazer.
Eram galhos, heras desfolhadas, ressequidas pelo tédio
as artérias e veias que emaranhavam meus ossos.
Tatuei nas paredes, risquei na pele
Flechas
Palavrões Jogo da velha
Facas Desenhos obscenos
Coração rasurado, escolhi um canto de pássaro para decorar um silêncio
denso e irrespirável como gás, mas aquele canto de faíscas prateadas o explodiu, recebi um coice gasoso no peito, que quebrou as costelas, esmagou o coração de minha alma. Nunca senti tanta tristeza, agora amarro o silêncio com vozes da multidão, do trânsito, estes sons me fazem sentir bem, diminuem a solidão, adormeço ouvindo, nunca mais, nunca mais, uma só voz. Desejava ainda ser o herói que todos esperavam, mas não conseguia, a absurda falta de acontecimentos me impedia, meu orgulho estava oxidado corroído, e sem o suporte do orgulho a espinha não consegue deixar o corpo ereto. Passei a ser cínico e amargo, escarnecia a humanidade, aliás, nem somos humanos ainda, somos híbridos de instintos siamescos apenas atenuados, semi-selvagens, uma raça na puberdade, cheia de ereções, que precisa conquistar, derrotar, de júbilo não de paz, encha de paz e segurança a humanidade e os índices de suicídios aumentam. Como híbridos não temos a verdadeira liberdade do selvagem, que está na luta franca dos animais pelo poder, uma luta que longe de ser apenas a lei do mais forte, e também da velocidade, agilidade, fugas, de camuflagem e venenos, uma luta sofisticada como conspirações palacianas, uma liberdade bem mais elaborada e real, que não é tolhida por leis, dúbias, cheias de interpretações, um engodo que aprisiona lobos para que os leões possam engordar seus cordeiros. Se o natural é perfeito e busca seu equilíbrio, o que é tocado pelo monstro híbrido chamado homo sapiens, torna-se grosseiro, a árvore é perfeita, mas sua lenha tem algo de tosco, porque tocada por semi-selvagens, deixamos tudo que tocamos rude, inacabado, nada é conclusivo, sejam, leis, sistema político, filosofia, tecnologia, em tudo temos que evoluir, e se temos que evoluir, substituir, é porque não chegamos ao perfeito, talvez quando alcançar a condição de homens voltaremos ao perfeito, mas enquanto híbrido, não confio neste símiomem, em sua evolução convulsa, que cria sistemas achando culpados superficiais, sem levar em conta seu verdadeiro inimigo, os instintos, a vontade que temos de nos sobressair, a sede de poder, quando o socialismo acabou com o poder econômico, este foi rapidamente preenchido pelo ainda mais truculento poder político, os instintos infelizmente sempre acham seu lugar.
Passo o dia vendo o teto da nave, conheço as nuances, os tons no branco aparentemente uniforme, as manchas, nomeei territórios mais sombreados, dei nomes de mar aos luminosos, achei vulvas e fantasmas.
Cheio de pensamentos vívidos, curtos, ilógicos, percebi que todos, não só eu vivemos em
Cubos.
Cubos com sofás, cubos onde
cozinham, cubos escritórios,
cubos com janelas para o mar,
cubos com camas, cubos, cubos
saem de um cubo a outro cubo,
jantam em um cubo, comendo
em um círculo, então assistem
ao cubo da sala, também cubo.
Finalmente plácido, aceitei minha situação. Passei a cultivar brilhos polindo tudo, fico absorto nesta jardinagem, cada brilho é uma flor, mas ainda necessitava da companhia de algo vivo.
Se entrasse uma mosca

teria a contemplação dada ao vôo do condor.
Queria poder brincar com um
prisma, lambuzar meus dedos
de arco-íris.
E como desejo uma maçã verde
seu cheiro, morder sua carne
fechar outros sentidos
e ser só gosto.
Teria um êxtase sexual como receber
um jorro potente de esperma na boca.
Então finalmente a paz sem risos, sem prazer ou tristeza, uma preguiça constante. Não quero sair daqui, canto canções infantis e jingles, tentei recitar a odisséia, me deu asco como se mastigasse carne mumificada. Raramente levanto, se meu braço fica dormente penso minutos antes de trocar de posição, durmo muito, não me importo com nada, a terra e o Cosmo que vão para o nada que os criou. Vi uma prostituta sob a luz de um sol e peixes abissais respirarem vácuo. Brinco com os fios de cabelo na cama, não são mais negros, são lindos filamentos de prata. As máquinas começam a chupar a sopa das imagens do passado da terra, nada, nada me interessa, meu casulo é confortável, gosto de desenhar sons abstratos e coloridos, coisas da solidão. Quando me alimentava, escolhia as pílulas pela cor, como se estivesse escolhendo um sabor, com meus olhos, sentia o sabor ácido do amarelo, o sangüíneo do vermelho, o salgado marrom, o suave azul, o refrescante verde, mas agora não gosto de me alimentar, esqueço. Não quero sair deste cubo, nada me interessa, quero dormir, gosto de dormir, lá fora é frio e aqui dentro aconchegante, sono, só sinto sono. A vontade de voltar, está cada vez mais tênue, só a luz me incomoda.

De Solivan

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