quinta-feira, 14 de junho de 2012



Quando conheci uma estrela(trecho do conto infantil" A historia do inicio")


Os meninos giram de braços abertos. Eu também giro, giro, giro, ao parar vejo girar os rostos sorridentes e toda a cidade inteira atrás deles a rodar colorida. Quando vejo as nuvens brancas, no alto do furacão, também a rodopiar, grito que vou para a terra de Oz! Olha o saci no meio do redemoinho! Parávamos apenas para esperar tudo voltar ao normal, as casas se encaixarem no mesmo lugar que antes estavam, e voltávamos a girar e a brincar de ficar bêbado. Depois dos rodopios, fui mostrar no bosque das sete árvores o lugar onde tinha visto a transformação de um homem em lobisomem. Mostrei a árvore onde tinha ficado escondido, espiando. Contei que tinha visto chegar gente, e depois de se esfregar num pé de urtiga foi virando homem, lhomem, lobomem, lobiomem, lobisomem e saiu numa corrida parecida com de um chimpanzé sumindo no meio do samambaial. Depois que conto a história vamos embora, porque já está perto da hora do almoço e é perigoso ficar no bosque esta hora. O lobisomem pode estar com fome de crianças.
À tarde estava caçando moscas, depois de ter olhado um livro com a história de João Mata Sete, quando meus tios Luiza, Luci, Gelfe e Neufe chegaram para me levar conhecer uma estrela que tinha caído do céu. Vou dirigindo meu triciclo vermelho cor de morango, com meu tio servindo de motor, até chegarmos a casa verde-mar da minha avó Adele, que estava na varanda, vendo os golfinhos saltarem acompanhando os carros na rua em frente. Minha avó era uma italiana que virava Yemanjá, a rainha do mar nas quartas-feiras. Em seus longos cabelos anoitecidos tinha estrelas do mar e beija-flores que voavam em sua volta para pegar pólen e néctar no seu doce olhar azul. Segurava o incenso de um cigarro na mão, e sua fumaça azulada ondulava como cabelos de sereia levados pela maré. Abracei minha avó, e coloquei meu ouvido nela, porque se encostasse ao seu corpo dava para ouvir o barulho das ondas, como acontece nas conchas. Peço onde está a estrela cadente, e ela me responde que está no viveiro, presa junto com os passarinhos.
O viveiro fica nos fundos do lote, entro na sala sozinho, sou vigiado por uma foto de um tio falecido. Era um retrato em preto e branco, mas foi pintado, e agora a fotografia parece estar com maquiagem e usando batom.
Estava passando quando as estátuas dos santos meninos Cosme e Damião me pediram para ligar a TV em um desenho animado. Também parei na cozinha para ver uma chaleira fumegante, que brincava de trem maria-fumaça puxando uma fila de panelas. Sobre a mesa, pratos passeavam usando como remos duas colheres. Perto estavam açúcar e o sal, que são irmãos gêmeos para os meus olhos, mas tão diferentes para minha língua. Coloco minha cabeça dentro da cristaleira espelhada, para ver a imagem do meu rosto aparecer duzentas vezes, sempre diminuindo, até desaparecer no infinito. Só então abro a porta dos fundos e vou
até o viveiro de passarinhos do tio Gelfe. Vejo os canários, pintassilgos, sangue de boi, tão coloridos. Os passarinhos aproveitavam toda a cor da semente da qual se alimentam, como se a cor fosse uma vitamina. Sugam todo amarelo do milho, todo o vermelho do urucum, para pintar suas penas. Deve ser por isto que só cagam em preto e branco, o que deixava o chão do viveiro chuviscada, carijó parecendo uma TV fora do ar.
O tio Gelfe estava soltando um tucano porque comia os ovos dos outros passarinhos. Porém, o tucano não queria ser libertado, era feliz preso como um lobo vivendo entre ovelhas. Ele queria voltar para a gaiola, mas foi apedrejado, pareceu perdido no céu, debatendo-se desajeitado, parecia alguém se afogando, até ir finalmente embora em um voo triste como um náufrago nadando.
Peço pela estrela cadente, e meu tio Gelfe diz que está na loja de peças de meu avô. Então para vê-la, tenho que ir pelo parreiral, o sol passa pelas folhagens e desenha em meus braços uma pele de girafa. Está sem frutos, mas cheio de abelhas. Elas gostam de chupar uvas quando elas ainda são cachinhos de flores. Um bando destes tigrinhos de asas zunem brabos perto de mim. Corro até os fundos da loja de acessórios, galinhas comem, ciscam entre escapamentos e baterias velhas. Um motor ainda sangrando óleo mancha a terra, parece um coração de um robô gigante. Entro por trás da loja cheia de pó como uma tumba abandonada. Meu avô vende pedaços de carro. Tem olhos e intestinos de automóveis expostos, para-lamas balançam, como pernis em um açougue cheios de moscas entorno dele. O avião, que comecei fazer com caixas de papelão, está ainda no fundo das prateleiras.
Pergunto. Onde está a estrela cadente? Meu avô me aponta uma pedra em cima de uns papéis velhos amarelos e empoeirados. A pobre estrela cadente tinha morrido, perdeu sua cauda brilhante, está fria. Procuro ouvir seu coração, não bate mais. Acho lâmpada do teto mais parecida com uma estrela que aquela pedra. Prometo para a estrela, que quando meu avião ficar pronto vou levá-la para sua constelação, e sua mãe vai amamentá-la com bastante luz até ela voltar a brilhar.


Ilustração e texto de Solivan

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