segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Obrigado Silverio da Costa

Coluna de Silverio da Costa para o jornal Sul Brasil
Solivan,O Encantador


“Encantador de Serpentes”,de Solivan Brugnara,conhecido apenas como Solivan,é um livro de poemas de alta voltagem,capaz,portanto,de aleijar os leitores menos avisados.O livro abarca uma enorme gama de temas,todos eles recorrentes ao mofino e transcendente cotidiano.Sua poesia quebra os padrões estabelecidos,para dar azo à criatividade e escapar dos fantasmas tradicionais,entrecruzando o real com o fantástico!Sua poesia é ácida, impiedosa, asfixiante, depressiva, lançando mão, inclusive, do nonsense,do insólito,do absurdo kafkiano,do chocante e do delírio,mas é cosmopolita, universal ,dado o rigor da linguagem demolidora, surrealista,e da forma,que abrange o visual, com fotos e desenhos;os poemas geometrificados,com amplas configurações típicas da estética do (neo)concretismo;e usa,ainda, versos polimétricos,em poemas densos ou prolixos,sobressaindo-se a anáfora e os versos que se repetem,dando-lhes uma aura evocativa.Tudo se submetendo ao jorro de ritmos alternativos.
Graças a esses recursos, os poemas de Solivan acabam transcendendo o seu próprio ponto de vista, para mostrar as facetas, muitas vezes cruéis,da existencialidade,transformando-a numa aventura humana diferente,que se volta para dentro de si mesmo,onde ocorre a simbiose que devolverá ao leitor a pungência da perversa condição humana,uma espécie de confronto entre a razão e a emoção,que alfineta a sociedade sem compaixão.
Não conheço o autor em tela, mas quero dizer que adorei o livro, não só pela multiplicidade de assuntos e pela maneira de os abordar,mas também por ser um livro diferente,a começar pela capa.Parabéns!

De Silverio da Costa

Do porque não se encontram a almas



Se

Na mão dissecada não encontraram afago.
Na carne estudada
nenhum vestígio de composições .
Se
no sangue analisado
é negativa presença do amor
e mesmo em biopsias
nunca constataram
ternura.

Eis a razão
do porquê não se encontram as almas.

Poema e ilustração
De solivan

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Lídia obrigado por ler meu pergaminhos
um abraço amiga e seja bem-vinda.

O quarto do musico morto e sua comparação com um mundo antisséptico.

Para João Cabral de Mello Neto.


Na mesa, seca de toda
a música está a flauta
eviscerada,em silêncio
como um canário morto.

Não há mais o sopro
de erva-doce e manjericão
que tem o som
das flautas vivas.

No dentro da flauta
um deserto salino
um branco osso de
mar descarnado de água

Uma imensidão vazia
de planeta deserto
Se parece caber na mão
é porque denso, de sol morto.

Mas este vazio na flauta
é um vazio que se sente
o vazio da barriga vazia
o vazio cheio de fome.

Ou mais agudo sentir
de dor mais aguda
mas sem o estridente grito
a dor sem ganido de um cão mudo.

É também o oco da flauta
um oco de osso de pássaro
calcificado, limpo de carne
pelo minucioso urubu e o carcará.

Se ainda identifica-se
a forma flauta sobre a mesa
é como identificar flor
destilada de seu perfume.



A areia que invadiu o
quarto não é areia, é miragem
de areia e por ser miragem
por não existir é apenas sentir

Mas por ser forte este sentir
é fraco para esta areia
descrevê-la miragem cabe
mais no estojo da palavra alucinação

Com a dura e real presença
que tem a alucinação
de cromar a espinha
ossos com frio metal do medo.

Por ser de tal matéria
esta areia entra onde areia
se real não poderia inocular-se.
Desrespeita a areia o sólido.

Sente-se tal areia
não só sobre os móveis
mas no centro das coisas
como sal entra na carne de sol.

Tinge as páginas dos livros
de um amarelo de desertos.
e mais no centro ainda
porquê no âmago do homem.

No coração pulsa
sangue com areia
lixa o peito que a respira
nos pulsos arranha o que articulação.

A voz com areia é áspera
ulceram boca e ouvidos
por isto poucas e medidas
palavras são ditas no quarto.



Pela janela entra instrumentos
Facas- lâminas de puro sol
facas-sol esterilizadas
agudas, de corte limpo e reto

Precisas facas que retiram,
seccionam as sombras
reviram as vísceras-sombra,
as entranhas úmidas do quarto

Se a ferida escalpelada
tem ainda cor de sombra
é porquê engana o olho o escuro
alcatrão colocado sobre a ferida.

Após retirada, toda a sombra
tem seu couro estaqueado
raspado com vidro
posto em pedra hume ou sal.

Agora o sol não usa mais
seu tentáculo faca,
usa outro instrumento cânula
feito do mesmo metal sol.

E assim suga o que úmido
só após ser ressequida
a sombra é recolocada
por isto o seco dentro das gavetas.

E a estante, cadeira
o que madeira
tem aquele seco
acirrado e denso.

O demasiado seco
do lenho petrificado
Que nem mesmo inflama
Que não vive nem morre.



Nos pesa ainda sobre
os ombros se no quarto
desolado a gravidade
de outro mundo maior.

Estilhaça o que cristal
sorriso,amparo, afeto,
sobra no peito a pedra
resistente da solidão.

Transplanta em todos
um coração de náufrago.
transpassado de agulhas
amoladas em angústias.

E as pálpebras sentem
o gosto amargo nos
olhos, agora daltônicos
para tudo que seja esperança.

É febril, o quarto mas
não a febre da infecção
que mata por proliferar
por se exceder em vida.

O quarto tem a febre
ainda mais malévola
de Marte e seu rude
calor anti-séptico

Tem a esterilização
cuidadosa e tenaz
La não vive um germe,
la não vive o homem.

La há apenas uma
floresta de árvores
Sem folhas, sem galhos,
sem tronco, sem sombra.

De Solivan

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Amigos ficarei fora por uns dias
talvez demore para responder seus comentários.
Obrigado pelos novos amigos Lurdes, Fátina e Drielly
que todos sejam bem-vindos.

Gênese







No início existia apenas Deus, o escultor

e a palavra.

E foi a palavra

a massa que Deus usou para moldar o universo.



Disse Deus: Luz

e o som da palavra luz

se corporificou, iluminou

e se fez sol.



Disse Deus: Terra

e o som da palavra terra

se corporificou,

e se aconchegou perto do sol



Disse Deus: Água

e a palavra água se transformou

em oceanos e nuvens, em rios

e nascentes.



Disse Deus: Ar

e a palavra ar e envolveu e protegeu a terra

como uma pele e se preparou

para ser o mais farto e o mais precioso dos alimentos.



Disse Deus: Vida

e a palavra vida

tomou inúmeras formas e se desenvolveu

e frutificou como uma árvore generosa.

E a vida

se aqueceu ao sol,

habitou a terra

bebeu e respirou.



Só então

pode Deus, o escultor

tocar na terra e na água

e deste barro fazer o homem,

e da mais linda costela, a mulher.

Disse Deus:Bendita e cheia de olor

seja para sempre esta mistura da qual

foi feito Adão.

A chuva será o sêmen

com a qual fecundarei o universo.

Poema e ilustração Solivan

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Auto- retrato escrevendo um poema



Exemplo de concentração e diluição

Ter um é mais que ter muito.
Diógenes tinha apenas dois pertences,
uma mochila velha e dentro dela
um prato amarelo,
apenas um prato amarelo
com alguns trincos.
Dois pertences, mas de seu considerava
apenas o prato amarelo,
sua mochila era apenas o estojo.
Diógenes era sempre sujo
mas seu prato era limpo
mais que limpo,polido.
Juntou moedas,não bebeu
para comprar um polidor de prata
para seu prato de cerâmica.
(estranharam um mendigo
comprando um polidor de prata
num supermercado.)
Diógenes comia com as mãos
para não sujar
seu prato amarelo.
Seu prato amarelo era para ser admirado,
Diógenes queria apenas olhar
seu resplandecer.
esta era a única função do prato.
As vezes espelhava-se,
via-se refletido amarelado no prato.
Não era narcisismo
apenas gostava de assistir.
Via também árvores, ruas, caminhões
Tudo amarelado pelo seu prato,
depois embrulhava com cuidado
e maestria em muitos jornais.
Sabia que era frágil o seu prato,
ganhou num restaurante
a muito tempo.
-Dê com prato e tudo!
Ouviu alguém ordenar.
Sem saber o motivo
talvez destino,
talvez porque tinha algumas trincas
ou porque tinha milhares de pratos.
Todos portanto insignificantes.

poema e tela "Auto- retrato escrevendo um poema"de solivan