sábado, 24 de julho de 2010

Mulheres guaranis tomando chimarão



Fotografia de Solivan

Insegurança

Lembro quando estava em um café, após uma palestra discutindo com a Luna, um poeta do que surge, é o poema que a encontra, e eu o poeta do procurar, do caçar o poema, da insistência. Mas tanto seu método mais orgânico quanto o meu rigoroso, de expediente, somos presos na insegurança do lidar diretamente com o criativo, minha procura por poemas não é a garantia de que os encontre, como aconteceu hoje e Luna pode não mais ser surpreendida por um poema ao abrir uma janela, porque toda a criação vem do inesperado,emerge, e sobre isto, o escritor seja ele disciplinado ou displicente,não tem controle. Porem acredito que quanto mais guardamos sensações e conhecimentos, maior a capacidade para encontrar conexões com o improvável e é exatamente o improvável que faz a arte se movimentar,e os museus criarem novas alas.

De Solivan

Poema ao rio Iguaçu

Rio represado
domado
pela inflexível
posição marcial do concreto.
Rio com hora marcada,
espera contido,
espera angustiado
a hora de fluir feliz
por entre
estas vaginas metálicas.
Meu rio
de margens indefinidas,
e às vezes litigiosas.
Iguaçu de pouco peixe
que lança lambaris aos pescadores
como quem joga moedas
ao mendigo da praça.
Rio importunado
por projetos,
urbanizado
pela pouca poesia
das casas de veraneio.
Enquanto pesco
à sombra de um
out door da
Severo Materiais de Construção,
penso
que teu caule passa aqui,
mas tua rosa flor branca
abre-se em Foz do Iguaçu
e lembro do dia
que levou vilas e pontes
inclusive a zona do Chopim-Dois.
Foi-se o sofá das putas
deslizando rio abaixo.
Adeus sofá das putas
sentirei saudades.

De Solivan

Música

É uma fotossíntese,
qualquer cantor
aspira ar e expira notas musicais.
Já o blues man emite sons feitos de barro.
Vi um cego tocar acordeom,
a música o sacudia como uma ventania ou maré.
E por falar em cego
a música materializa os sentimentos,
reconhecemos um sentimento dentro do peito
como um cego apalpa e reconhece um objeto.
Músicos precisam do silêncio,
do silêncio branco como linho
para esculpir sentimentos.
Pergunto-me:
quem nasceu antes a música ou o rouxinol?
Acho que a música pousou num galho e compôs
um rouxinol.
E a beleza
a beleza nada mais é que música
de objetos não sonoros.

De Solivan

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Exegese de Eva



Eva, Eva
o Éden gritou de dor
quando você
Imolou o que mais amava,
Eva, Eva
Agora em sua boca ressaibos de carne crua.
Eva, Eva
seu cabelo foi a serpente
Eva Eva
sangra tua lágrima azul.
Eva,Eva
tua face; uma escultura bela
Foi remodelada pela angustia
Eva,Eva.
Trançados de espinhos envolvem o útero
Eva,Eva
tua pele é um sudário tecido de angustias e dor
Eva, Eva.
Com o coração mordido,
como uma gazela por um leão,
Eva, pobre Eva
tenta devolver
a maça a maça ferida.

Ilustração e poema de Solivan

Fragmentos do diário de Ariel

Sou um homem com ilustrações na alma
ando com ilustrações e passos vagarosos
um banco ao lado de uma árvore
convida-me a olhar a imensidão
sinto-me enorme, sou até onde
minha visão alcança.
Olho um pássaro no alto, distante
no céu azul com nuvens brancas
e me pergunto
quem é mais livre neste instante
o pássaro lá no alto
com olhos fixos na terra
ou eu de olhos perdidos e livres no firmamento
e neste momento
em que a retina engole o oceano
o céu e a linha do horizonte,
ouço o mar
e o barulho do mar
lembra-me
o som do interior das conchas.


De Solivan

Mimeógrafo: poesia marginal dos anos 70

Idílica Estundantil-III

Nossa geração teve pouco tempo
começou no fim
mas foi bela nossa procura
ah!moça,como foi bela nossa procura
mesmo com tanta ilusão perdida
quebrada,
mesmo com tanto caco de sonho
onde até hoje
a gente se corta.

De Alex Polari


A(R)MAR(?)

De Marcos silva


que viagem
ficar aqui parada

De Alice Ruiz



quem tem a mão decepada
levante o dedo

De Nicolas Behr


poética do cotidiano:5

Num domingo desses,
correu por entre os barracos,
som dos futebóis e cheiros de maçarão,
uma noticia triste:
(de uma rua escura de Nova York )
O sonho acabou.

De Flávio Checker




Sobre o momento atual e a tática proletária


Panfletamos a noite toda
-o nome mais belo do medo-
e alguma coisa nos fazia
lembrar uma música

somos ainda jovens
e o suco de laranja estava

ótimo

De Maira

sexta-feira, 9 de julho de 2010

grãos de areia

grãos de areia que reclamam do mundo
grãos de areia que discutem sobre o universo
grãos de areia presidentes
grãos de areia escritores
há um grão de areia pintado com um sorriso enigmático
nas paredes de um museu
e outro com a orelha cortada.
temos grãos de areia de esquerda
grãos de areia islâmicos
grãos de areia com problemas cardíacos
grãos de areia rico e grãos
de areia que compram a prestações.

De Solivan

Falange

Canções de uma banda de heavy metal que nunca existiu


1)Grito biográfico

Eu que obedecendo aos gritos de uma dama de ferro
parei de escalpelei os meus cabelos,
vesti sudários estampados com serigrafia
e fiz de uma bandeira bucaneira minha jaqueta.
Que com os rastos de uma caneta
tatuei nos braços temporárias cobras e cruzes
E na ultima das cadeiras elétricas da escola
fazia canções e iluminuras hereges nos cadernos,
enquanto outros engoliam equações que ainda coaxavam.
Eu que com minha alcatéia,
bebia espumantes poções amargas
recostado em trelizas brancas.
E nos sabados fazíamos pirâmides humanas nas ruas
ou em celebrações tribais ao lado de um riu
bebianos sangue de cana
e assávamos pedaços de manutes
comprados no super-mercado.
Que entediados alugamos um avião velho, já sem azas
e viajamos, bebendo, brigando e parando nas danceterias.
Ate o paraquai onde comprei chicletes coloridos.
Eu que transformei uma armadura medieval em moto
e galopando este magro vento de metal
atravessei a avenida brincando com uma tempestade
e rasquei uma neblina âmbar tingida pelas luzes das estrelas elétricas.
Que desci pelas escadarias do templo
com uma linda menina de cabelos vermelhos
pira sedosa tratado com xampus e amaciastes.
Eu que numa esquina suspeita de Curitiba
receptei um grifo que ficou no meu ombro como uma rêmora
e o alimentei com pedaços de aço.
E viajei para o sul ouvir venenos,mas o saba foi cancelado
então fui ao cinema ver sons violinos esfaqueando
uma moça no banho,
e me auto-condecorei com bootons
em negras lojas.
Eu que fui preso por acariciar um
peixe ornamental na rua.
Meus dedos ainda tinham cheiro de peixe
quando um soldado do exercito de bobos da corte
me disse “vou te soltar pelo seu pai”
e respondi. “Se for pelo vendedor de combustíveis fosseis
pode soterrar a entrada novamente”.
Então passei a noite com uma ladra vestida de noiva.
e ouvindo os gritos de um assassino tento pesadelos.
“Alice com laços vermelhos saindo do corte,
Alice caindo,Alice se transforma em ofélia no fundo do poço.”
Eu que fui apedrejado pelas lagrimas de minha mãe,
mas evitei sua santificação pelos meus pecados
recusando me a injetar o bico do beija flor no meu braço
para espremer seu corpo ate ele vomitar nectar dentro de mim.
Eu que quebrei suavemente um diamante
que sangrou rubis e fui embora atravessando arvores retorcidas.
Que guardei uma mansão abandonada,
solitário sem nem uma mesa de centro para afagar,um sofá para me dar colo
e fiquei deitado em estado vegetativo,
me alimentado por fotossíntese e café solúvel requentado.
Eu que vendi recipientes feitos de seiva
que serviam para se por um pedaço de atmosfera.
E trabalhei em uma loja de materiais de construção
cheia casulos de maldade, charques e pernis de ódio pendurados,
onde lutei com um Ogro cheio de varejeiras,
ate jorrar rosas vermelhas pela minha boca como uma estatua de fonte.
Eu que atravessei a transamazônica em um navio negreiro,
como não tinha lugar nos rotos e remendados tapetes voadores
estendi meu lençol de faquir no corredor.
E na madrugada masturbei uma lactente no cio.
Que vi do outro lado do riu ing e iang
uma cidade cheia de vida como um antigo cemitério no dia dos mortos,
com urubus sobre as casas tumulares,
e conheci suas lojas
que vendiam cocares e vídeo-games ,bordunas e televisores.
Eu que voltei para casa com saudades
de folhear meus recipientes de musica,
de rever sua decoração e beber os sons pesados num brinde nórdico
e limpar os cantos da boca com o antebraço.
Eu que morei num lobo branco de geada
e fiz aulas de pintura no seu estomago com estantes e bibelôs.
E com meu cinzel amei uma das três graças de Rubens
em uma casa feita com de carne de pinheiros.
Que conheci um amigo que também
era uma ovelha vestindo pele de lobo,
e jogamos ruprestes vídeos- games
ouvindo bocas-crisóis cuspindo lava
e conhecemos um templo Egípcio sombreado por araucárias.

De Solivan

Poesia alheia:João Cabral de Melo Neto

Morte e vida Severina(Auto de Natal Pernambucano)



O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

De João Cabral de Melo Neto

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre Quedas e digressões



Sobre Quedas e digressões


Os Polacos ao chegar
fatiaram araucárias
construíram
com este lenho puro imaculado
suas casas.
Católicos martelavam com vigor
porque sabiam que neste lenho puro imaculado
não tinha as mãos de Jesus.
A araucária não tinha o pecado do cedro.
Neste tempo
as ruas de Quedas mudavam
de plumagens ao ano
no verão áspero pó vermelho
no inverno uma nupcial neblina.
Mas dos eslavos e capivaras e pinheirais
da comunidade mítica
desta primeira dentição de madeira
restam apenas
algumas casas apodrecidas.
Hoje as ruas são praticas e cinzas
e prédios matemáticos
feitos de cimento e cálculos.
porem em
suas calçadas de hexágonos sem mel
aparecem índios
vendendo balaios.
sua solidão lembra
que esta cidade quando vista de um alto
ainda parece
uma destas cidades perdidas na mata.
Não gosto do sabor insosso
das linhas retas.
Artificialidades, não gosto de artificialidades.
Gosto de Gaudí
que fez o frio concreto cometer excessos
cometer luxurias.
Já a voluptuosidade de Niemayer
é uma voluptuosidade seca, estilizada.
voluptuosidade tem que ter exuberância.
seus edifícios parecem esterilizados, sem germes.
Não confio em lugares que não tenha germes
lugares santos são cheios de germes
a beleza e sempre cheia de germes.
Porem artificialidade não e desumana
a artificialidade e algo racional
portanto mais humana que a exuberância.
A exuberância esta sim e algo mais animal
mais artística.
Os bares de Quedas
são os nascedouros das lendas
a cachaça com ervas e lascas de sassafrás
e um santo daime, um peiote.
O Orixá Mario de Andrade desce
como espírito santo
a linguagem entra em transe
peixes tornam-se monstruosos
e em quantidade milagrosas
os tiros são mágicos
e matam uma onça mitológica
e o caçador e o cavalo da anta morta
no êxtase, na língua do sonhar.
E alguém imita um polaco
coro de risos.
Das livrarias
gosto da livraria de seu João
heroicamente agarrada ao passado
um carrapato agarrado ao ano de 1967.
Mesmo o jornal do dia
se comprado na livraria do seu João
já sai um jornal cinqüentenário
e muito mais sábio que mesmo jornal
comprado na outra esquina.
Já é um jornal
para ser guardado
uma relíquia
uma peça de antiquário.

Vila dias
E uma favela paranaense
favela branca, de europeus pobres
com um pouco do marrom terra dos caboclos.
Lá e em todo o oeste e sudoeste do Paraná
a cultura gaúcha
encontrou-se com a do caipira.
E quando culturas se encontram
espera-se choque, divisão ou amálgama.
Nas não houve embate
nem o gaúcho e o caboclo mesclaram-se culturalmente
somente desenvolveram uma coexistência única
O paranaense singularmente adotou como sua
duas culturas que continuam distintas e puras
dentro dele
em uma dualidade tão natural
que nem é percebida.
Nos velórios da Vila Dias
o caixão fica dentro das casas
sala aberta como templo.
Reverenciado pela curiosidade
o morto como um santo no oratório
decorado com coroas de alumínio
cuja as flores cheiram a tinta esmaltadas.
Conversas, chimarrão, rezas e choro
fermentam num bolo sonoro
salgado com suor.
Percebe-se em alguns
um certo sentimento de triunfo festivo
os vivos senten-se vitoriosos
perante a morte.
No bar, musica embriagada
e a vizinha assiste à novela
porque na vila dias a morte é cotidiana
e a morte sem os dramas
das mortes dos semideuses da classe media
a morte é comum, domestica
é parte da vida
não causa traumas.
Gosto de artemistificar a morte
Compara-la a quintais abandonados.
Porque vejo
na briga de galo
entre a guaxuma e o picão
renitência do sempre renascer.
Da inútil na insistência de florir
sua flor feia e dissonante
sua flor desperfumada.
Sempre que vejo quintais abandonados
sinto vontade de ser novamente
o menino
que via revoada de rainhas vestidas
Com azas núpciais
em dias de sol e chuva juntos
que enluarava telhados
engrutava porões
para-dificava guarda chuvas
cachoeirizava torneiras
e savanizava quintais abandonados.
De o meu brincar sem nunca individualizar
sem nomear, sem especificar
todas as formigas eram formigas.
Assim nada morre
tudo continua, se um gafanhoto morre
não importava
os gafanhotos não morreram
outro igual nascia e o pedaço era reposto.
Meus soldados também eram renitentes
morriam e renasciam
como gaxumba.
Só a perca era uma espécie de morrer
e o achar ressurreição.
Outros quintais abandonados
Em outros lugares são só quintais abandonados
Quintais oníricos
São os quintais de Quedas
Quintais com guaxuma e picão que reencarnam.


De Solivan

O alimento da vida

A vida,
é o predador da morte.
É a vida que mastiga, engole e digere a morte.
A morte é o passivo, o generoso
alimento da vida.
A relva da qual
a vida se alimenta.

De Solivan

Poesia alheia:Carl Sandburg

A GRADE

Agora,a mansão à beira do lago já está
concluída, e os trabalhadores estão
começando a grade.
São barras de ferro com pontas de aço, capazes
de tirar a vida de qualquer um que se
arrisque sobre elas.
Como grade, é uma obra-prima e impedirá a
entrada de todos os famintos e vagabundos
e de todas as crianças vadias à procura de
um lugar para brincar.
Entre as barras e sobre as pontas de aço nada
passará, exceto a Morte, a Chuva e o Dia de
Amanhã.

De Carl Sandburg
Tradução: Carlos Machado

A FENCE


Now the stone house on the lake front is
finished and the workmen are beginning
the fence.
The palings are made of iron bars with steel
points that can stab the life out of any
man who falls on them.
As a fence, it is a masterpiece, and will shut off
the rabble and all vagabonds and hungry
men and all wandering children looking
for a place to play.
Passing through the bars and over the steel
points will go nothing except Death
and the Rain and To-morrow.

De Carl Sandburg