sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cor


De Solivan

Máxima força

O sonho e a força máxima.
O sonho é o deus infantil escondido atrás
do racional.
O sonho tece tratores
monta fábricas, compõe andaimes.
O sonho abre um shopping.
O sonho não é ingênuo.
O sonho rouba.
O sonho depreda.
O sonho angustia.
O sonho frusta.
O sonho quer ser eleito.
O sonho quer conhecer a África.
O sonho quer vender a cura de doenças.
O sonho planta quatro mil alqueires
de soja todo o ano.
O sonho quer escravos.
O sonho mata e desmata.
O sonho gerou esta era de desperdício.
O sonho é predador de outros sonhos.
O sonho quer mais.
O sonho mistura, aumenta, encolhe,
cães, gatos, bois e cavalos.
O sonho desmesura úberes e quer sempre mais leite.
O sonho.

De Solivan

A rudeza

Vai pela estrada, Rimbaud
no peito o ouro sem metáfora
bebe a si próprio no suor que cai dos seus lábios
e a fome come-lhe o corpo.
O calor faz a alma presa no corpo agitar-se feito um feto inquieto e febril
logo vai despetalar a roxa perna.
No quarto
de odor enfermo como hálito de um celibatário
com a angústia de um pássaro sem asas,
seu coração já coto debate-se ante o céu azul visto da janela.


De Solivan

Banho de Sol

Numa manhã fria
tomando sol
num pedaço de quintal
entre uma jabuticabeira
e um resto de horta abandonada,
velhas roseiras
e entulhos.
Fechei meus olhos
fiquei ali,
o ardente amarelo
transpassando
minhas pálpebras fechadas,
inerte,
só sentindo
o calor agradável,
sem pensar em nada,
sem ser nada.
Não existir
foi delicioso.
Quando abri meus olhos,
pensei:
Talvez
a jabuticabeira
seja feliz.

De solivan

sexta-feira, 23 de outubro de 2009




De Solivan

Marinha, cavalo e Hamlet

Há três sabores de som
no quadro,
uma marinha cinza,
escolho uma concha
cheia de marulho
e sinto saudades do oceano.
Pego minha chave
parece com uma moeda.
(Nunca antes tinha achado a chave parecida com uma moeda).
Vejo na radica de minha porta
demônios, extraterrestres e sexo.
Tenho medo de minha porta.
Corro pelas escadarias
não quero ser encaixotado pelo elevador.
Sou perseguido por demônios, extraterrestres e sexo
até derrubar o general
e sair cavalgando sobre a estátua eqüestre da praça
cheia de pichação e cheiro de urina.
À beira-mar, o cavalo em bronze
ficou colorido, leve de papel machê.
Respirar a maresia era respirar cores
como um camaleão que respira gramado
e fica verde, respira céu e fica azul.
A cavalgada que era tambor
virou dança sem música na areia.
Após a multidão
um menino solitário me sorri.
Minha angústia rega
suas linhas de expressão, que logo viram
rugas e cresceram em seu rosto como heras,
fazendo dele um velho.
A transformação me vez lembrar de uma menina que vi
pescando anjos com orações.
Perguntei a ela.
-Pode ser qualquer oração?
-Não, só as impregnadas de poesia e um pouco de vinho.
- E os anjos estão no céu ou na terra?
- Os anjos moram nos reflexos.
Depois avisto
um hindu, que reza para
uma escultura de quatro braços.
Falo.
- Não Breton, você não
criou nada, o surrealismo.
nasceu com a religião!
Ao longe
abandonado ao sol
um cadáver na restinga quente.
Uma rosa nasceu de seu umbigo.
Primeiro achei poético, depois lógico
as fezes no intestino alimentavam
as raízes da rosa.
Desço e descanso.
Faço um castelo de areia, cimento e cal.
Vejo saltar um peixe dourado
escamas feitos de dobrões espanhóis.
Quando continuei
encontrei ainda
um pintor chinês que olhava o mar, e com os pincéis
escrevia um poema na tela.
Três deuses
Marte, ele usava brutalidade
para conseguir mel.
Vênus, ela usava mel
para fazer maldades.
E a deusa que dá odor ao mar
lavando sua vulva na água.
Também Hamlet, que erguia a leveza da morte,
era a vida nele que pesa como chumbo.
Concentração é uma venda,
a distração nos faz ver muito mais.
Finalmente fiquei só com o oceano.
Olho sonhador
queria ir morar na distância,
na casa que encontraria na distância
gramada com mar, canteiros com copos-de-leite.
Mas a distância é uma miragem
que se afasta um passo
a cada passo meu.
Retorno, sonhos longos
são tediosos.
Pareço uma flor, querendo
morder o rabo de seu perfume.



De Solivan

Cor de passeio em um dia de sol

Muitos
poemas
começam pequenos,
mas o ponto final
é como uma pedra que chuto
enquanto ando distraído.

De Solivan(Obrigado Maristher por incluir este Poema nas Apostilas do Positivo)

Frustração

Os gestos da ira
desenhados
a golpes de faca.

Cores diluídas com cuspe.

Roxo retirado do hematoma
vermelho de um corte.

Quebrado a chute
o fêmur da tela.

Xingamentos
detonados
estilhaços de saliva
na cara

Na gaze rubra do quadro
esta impresso
o arremesso do vaso
do cinzeiro
a mancha do soco.


De Solivan

Proustinianas brasileiras (fragmento)

...Não me sinto castigado, apesar que querer, e muito, ser alimentado somente pela poesia, por que sei que é histórico a jornada dupla que submetem os poetas, mesmo os melhores não viviam de poesia, Drumond em sua repartição pública, Cabral e Vinicius e Dante diplomatas, Lemiski traduzindo, para se viver de poesia é preciso ser vegetariano,viver de pastar as folhas de sua coroa de louros. A poesia sofre de uma distorção mercadológica, atingiu uma excelência generosa, quis dar brioches para todos, mas o povo quer pão, e a poesia foi destronada, esta no calabouço, mas mandelica não perdeu seu brio,sua convicções e conspira, nem que seja falando com as paredes,na esperança que estas tenham ouvidos.Para vender poesia,e necessário distribuir nossos livros, estar nas livrarias em lugares vistosos, o que tenho visto é livros de poesia escondidos em cantos,em lugares que dão torcicolo, precisamos de gôndolas de ofertas, que pareça uma bananeira,com o slogan" poemas a preço de banana"...

De Solivan

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Jazz session (fragmento)

Minha alma gosta
de ver atrás dos quadros,
olhar a armação da tela,
as madeiras, os pregos,
gosta de ver as costas dos quadros.

Quer fazer um a exposição com telas viradas.
pintar telas viradas.
E diz,
Louvre
já cansei de ver a cara de Rembrandt,
virem à tela de costas,
coloquem a Monalisa em decúbito ventral.

De Solivan

Livros sobre Hiroshima e Nagasaki

Quero livros
Que deixe quem ler bêbado,
que viciem
e sejam cheios de propagandas subliminares.
Quero livros vasodilatadores,
que causem priapismo,
e se picotar suas paginas de para fazer um cigarro de maconha.
Quero livros que dividam o mundo.
Livros que sejam excomungados,
que matem Deus
e que Deus e revide escrevendo seu terceiro livro.
Livros com sabor de carne
para serem devorados por leões.
Livros que entrem como fantasmas dentro dos computadores.
Livros sobre Hiroshima e Nagasaki.
Livros nasçam em pés da marula e macieira
e que os livros vermelhos floresçam nas papoulas.
Livros que tenham cheiro de cio e cartões de credito.
Que façam as mulheres se masturbarem.
Livros venham em formato de falo
e vibrem e que suas letras façam vezes de espermatozóides e fecundem
úteros.
Livros que gritem, que se aumente o volume das letras
ate elas deixarem os olhos surdos.
Quero livros que alucinem quem se atrever a lamber suas paginas.
Que seja pego no antidoping pela substancias deixadas pela leitura no sangue.
Livros pretos que voem com urubus.
Livros que explodem quando aberto.
Quero livros cheios de veneno,
e só passar a ponta do dardo na capa, pegar a zarabatana
e sair para matar macacos na selva da Venezuela.
Livros que possam ser transplantados no lugar dos corações e rins,
e que se coma suas letras amargas com arroz.


De solivan

Conversa sobre a teoria da evolução com um gato

Do que adianta
sua elegância e graciosidade
construídas em milênios sobrepostos
de fina evolução gato?
Eu estou no topo
e posso matar o tigre e o guepardo
porque sou homem,
e nós fizemos a escolha certa.
Não perdemos tempo
atrás de força e agilidade.
Muito menos com asas,
ou tecendo belas plumagens,
nem com sentidos apurados.
Em vez dessas delicadezas
escolhemos
a brutalidade da inteligência.

De Solivan

A odisséia ou o erro do pavão

O pavão
de olhinhos nervosos
irrequieto bípede
tirou dolorosamente
suas queridas penas
uma a uma
e colou
em folhas de papel sulfite.
Despiu-se de suas jóias
transgrediu o pudor
sentiu frio
ficou só
sua família não agüentou
a verdade nua.
Não satisfeito
regurgitou a pouca quirela
do jantar
e vendo o vômito convulso e amarelo
lembrou-se de Van Gogh
e chorou.
Colou sua bile no sulfite
e com as folhas e penas e vômitos
profissionalmente encadernados,
a pobre ave implume
saiu a procura de editor.
Seria mais fácil, pássaro
achar editor
se deixasse as penas no corpo
e levasse as folhas em branco
profissionalmente encadernadas
sempre
profissionalmente encadernadas.



de Solivan

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Bar




De solivan

Comics

para Arrigo Barnabé

1. São Paulo no sexto bilênio

Fumo, sujo a parede com
meu pé erguido como um pelicano.
vejo o sol quadrado
que hoje nos aquece,
uma estrela artificial menor
mas bem próximo da terra.
No horizonte os sete mega-edifícios
onde quase todos vivem.
E volto o olhar para meu bairro,
a calçada cheias de faunos, hermafroditas
homens-camaleões com cores
em constante mutação.
Depois que legalizaram a operação
os híbridos juntaram
a multidão de humanos
e alguns extraterrestres
em turismo sexual.
Nas esquina bonodos evoluídos
fazem michês.

Como alcançamos a felicidade
química todos estão sorrindo,
para experimentar a tristeza
é preciso tomar drogas ilícitas
ou sobre prescrição medica.
Com a alegria universal
a criminalidade aumentou
mas a maior produtividade
compensa o investimento estatal.


Na minha rua ha muitas
lojas velhas e empoeiradas,
Antiquários cheios
de arte primitiva
do período pentacontinental,
Computadores e nostálgicas
peças de tele- transportadores.
No numero1204
fazem tatuagens moveis e inserções,
vejo pela vitrine alguém
colocar asas de albatroz nas costas.
Na catedral restaurada
atores encenam celebrações para turistas,
os ritos foram recriados por antropólogos.
alguns artistas de rua
venden as mesmas coisas de sempre
estátuas de fogo e diamantes esculpidos,
nebulosas de fumaça e luz moldável,
filmes e quadros feitos
com materializadores de pensamentos.
Músicos tocando suas
névoas fluorescentes e sinestésicas

Ser o dono da única funerária
desta cidade com bilhões de habitantes
tem um certo charme antiquado,
quase ninguém mais morre.
Tenho alguns alaúdes,
mas as famílias preferem
que os corpos sejam colocados
no meu inspecionado viveiro de abutres,
é mais natural.
Como é raro aparecer um cliente,
passo meu dia limpando minhas
unhas com um clipes.
Não ganho muito
mas consigo ler muitos comics holográficos.

Minha namorada é assistente
da lojinha de capacitores da frente.
As máquinas de sua firma transformam
todos que querem em gênios.
Já foi uma grande indústria, mas hoje
com quase todos transformados,
se tornou um pequeno negocio de bairro.
Mesmo com a popularização do processo
não conseguimos a esperada igualdade mental,
como diz um ditado do primeiro bilênio
destes que perdemos o significado das palavras
mas não o significado do todo, que diz:
Em terra de Eistens , Stephen Hanking
é um idiota.

Também clono mortos
para aumentar minha renda,
a morte não é mais uma perda completa
é tradição fazer um clone do morto,
e transferir sua personalidade e lembranças.
Eu mesmo sou o décimo terceiro clone de Xartam.
Já estamos acostumados com inversões
Que a clonagem trás
Como o filho ter de criar
o pai clonado, o irmão mais novo
se transformar no mais velho
a mãe cuidar da filha envelhecida.
Clonam até a si mesmos,
um europeu causou escândalo
quando se casou com uma versão
feminina de si mesmo.

A imortalidade já foi conseguida
com a renovação celular
mas é privilégio dos poderosos,
Anestesiados eles brincam de guerras,
com armas de época,
velhas armas a laser ou espadas
so não e permitido desintegradores.
Se morrem são reconstruídos
e ressuscitados por médicos,
e vão tomar cerveja e rir.
Prefiro a versão mais clássica
da reencarnação pela clonagem.

É tarde, hora de fechar,
vou para meu cubículo habitacional
comer uma pasta de nutrientes,
vestir minha roupa especial
e entrar na minha mansão virtual,
hipotecada mas cheia de concubinas e pajens.
Esta ficando mais caro viver no mundo
virtual que no real.



de Solivan

Idéias póstumas para Magritte

Poemas-quadro onde o leitor
é a tela do poeta

Liberdade

Dentro de uma gaiola dourada
uma pomba
voa livre
ante um céu azul com nuvens brancas.

O letrado

Um homem sentado entre suas estantes
tem na pele a palidez
transparente da cera,
está de chapéu coco.
Sua face
é a capa de um livro aberto
“Flores do mal,”
capa verde com letras
e arabescos dourados.
Veste um paletó negro-funeral
tem um odor de morte recente
ou muito antiga
de porões e bibliotecas.

O império das nuvens

Na parede da sala
duas janelas:
na fechada
vê-se um céu azul tranqüilo, com
[nuvens brancas
por detrás da vidraça.
Na que está aberta
nuvens escuras tempestuosas.


O letrado II

Um homem
entre suas estantes
de chapéu coco e paletó preto
em pé, de costas
seu cabelo é preto luzidio
tem os braços virados
para trás.
Segura na mão
um livro aberto
“Flores do mal”
de capa verde com letras
e arabescos dourados.
Sua nuca
lê atentamente o livro.

Contemplação

Um homem
solitário de paletó preto
sem chapéu coco
(está no porta-chapéu
ao lado da porta)
braços abaixados, nas costas
mãos juntas
parecendo alguém
que reza ao contrário.
Com este gesto dos contemplativos
olha atentamente a janela
que é feita de tijolos à vista.
As paredes da casa é que são de vidro.

Premonição

Entre os prédios
nas calçadas, atravessando a rua
caixões transeuntes
com duas pernas de madeira.
Andam de um lado para outro
atrasados
verificam a hora
e estão bravos com
as esposas.

O homem que lê poesia

Um
homem que lê poesia
tem dois narizes no lugar das orelhas
a boca no nariz
digitais no buraco do olho
e um olho de Cíclope
onde era para ser a boca.

Cabeça

O corpo veste um paletó
negro
e acima da gravata
está escrito: cabeça.


De Solivan
do livro incoêrencias

Queria ser teu braço esquerdo

.

Queria
ser teu braço esquerdo,
poema
aquele que não faz nada direito.
O braço esquerdo,
aquela criança
dono de letras e desenhos sempre infantis.
Quero ser
este braço carinhoso
enquanto
o direito escreve,
acende cigarros, faz poema, soca a mesa
você, periférico, na terceira pessoa
como a consciência
acaricia a fronte do poeta
deita langue
gato ou prostituta
sobre a página.
Quero ser teu braço esquerdo, poema
descobri que queria ser teu braço esquerdo
quando
não quis fazer poemas
em teclado algum.
Queria meu braço esquerdo
a acariciar
enquanto escrevo
a coroa de rugas-de-louros, vezes de espinhos
em minha testa.

De Solivan
do livro incoerencias