sexta-feira, 21 de maio de 2010

Varanda



De Solivan

Agora que te perdi

Estavas ao meu lado
Mas partiu,
E agora que não te tenho
Entrou em mim sua imagem
E de mim não sai, e em mim fica.
Agora que te perdi,
Esta tão dentro, que já é minha carne.
Com sua partida,
Já não sou apenas eu, também sou você,
No meu corpo trago tua alma
E teu rosto toma-me o peito sempre.
A cada alimento, preparo
Conforme sua vontade
E pergunto-me
Se nossa casa
Esta arrumada a teu gosto.
Com carinho dobro as toalhas
Do jeito que queria.
As vezes conforta-me esta sensação
Que não partiu,
Que na verdade mesclamo-nos
Mas minha tristeza repete com insistência
você se foi.


De Solivan

A pintura é surda e a música é cega.

Um trecho deste poema abre o livro"Um brinde a três amigos"
de o Nilton Bobato.
Obrigado amigo

Vazem o olho da humanidade,
perfurem seu tímpano
e o poema continuará intacto.
Pode-se mesmo, quebrar a terceira vértebra
[da humanidade
e o poema continuará intacto.
Que poema não precisa necessariamente dançar.
Já a pintura é surda e a música cega.
O poema não, o poema é sempre saudável.
Pode ser lido como um todo
pelo olhar, pela audição, pelo toque.
Poemas duram mais que as pedras.
A Ilíada sobrou intacta,
enquanto da Grécia antiga, feita de mármore,
sobraram colunas quebradas, templos em ruínas,
estátuas desmembradas.

De Solivan

Poesia Alheia: Poema de Bertolt Brechet

Dificuldade de governar

1

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2

E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3

Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4

Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

De Bertold Brecht 1913-1956

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Canos de PVC



De Solivan

Lua de mel

Vamos amor
Para um recife de corais
Respirar mar.
Onde só nos é permitido
Falar luxurias ou carinhos,
E toda a palavra áspera ou espinhosa
Machuca nossas delicadas guelras.

Trago comigo ambrósia, maçãs do Édem
E estou ansioso
Para seus seios amamentar meus desejos,
Ler no seu olhar
A partitura dos desejos
E sentir tua
Pele que é fogo sedoso e fresco e orvalhado.

Vem
Meu leopardo e pomba,
Ave- aquática e peixe- voador.
Eu sou apenas beija-flor
Em sua orquídea
Com gosto de néctar e perfume.

Sente
Minhas mãos quentes são estrelas com cinco raios
Em suas costas,
E meu olhar massageia seu corpo

Então danço sobre você
Como vento sobre
As marés de alfazemas
E com meu êxtase
Polinizo seu útero


De Solivan

1º Dezesseis Marylin Monroe morta(fragmento)

Marylin era uma
esposa frustrada
pediu divórcio,
e tornou-se
uma diva frustrada.


Poor Marylin
a máscara da tragédia
quimicamente
transformada
em comédia.

As substâncias
na imagem de
Marylin aderem
do glamour à
canecas de café.

Retratos de Marylin
deviam vir
musicalizados
por uma gota de chanel 5.

De Solivan

Pequena oração de agradecimento à maternidade

Divino e sublime
é DEUS
que cria almas
por intermédio do prazer.

De Solivan

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Nascente



De Solivan

Jazz session(Fragmento)

Sentado em uma pedra com as mãos no queixo
penso em pavões cor de rosa,
agulhas para suturar líquidos,
cigarros feitos com água de mar.

De Solivan

Retrato falado de um velho japonês

Seus olhos são baços e pequeninos
delicadamente colocados
sobre a renda das rugas.
Mas seu olhar tem uma imensidão que
lembra o mar.
O ar de oitenta anos de sorrisos
desgastaram seus dentes
como o vento, uma rocha.

De Solivan

O lobisomem e o mel

Espiava da copada da guajuvira
escondia até meu olho que é azul
e parecia com o céu atrás das folhagens.
Dizem, lobisomem gosta de ave
porque tem gosto de carne de anjo,
mas aquele gostava era de mel
passou nambu, nem notou.
O bicho mordia o favo
arfava, como cio, queria sentir o cheiro
que era de remela de flor de maria-mole.
Se lambuzava e gania
olho grande,
achava bonito
o mel farto, grosso
que caia lerdo, cheio de preguiça,
florido de brilho na sua boca.
Comia com abelha e tudo,
apimentava o mel com ferroada.
Quando acabou, lambeu os respingos na terra,
depois as mãos e chupou os pêlos.
Então deitou, doeu, gemeu, doeu, gemeu.
Muito mel arde na barriga,
é comer urtiga.
Revirado em homem, foi, mãos nas tripas.
Desci da guajuvira,
meu olho já não era céu.

De Solivan

sábado, 1 de maio de 2010

caricia



Meu olhar
acaricia horizontes.

Solivan

Olhos boquiabertos

Quero olhar, olhar
com telescópios e microscópios,
que tenho os olhos boquiabertos com o mundo

Ver
o universo
esta negra bonita de mais perto
e o Big-bang que ejaculou mundos, pedras e sóis no seu útero
e pelo menos um foi fecundado.

Observar com carinho o ínfimo
porque toda a vida tem
seu início no minúsculo.


De Solivan

Sobre a interessante reação das senhoras a um poema

Batista entrou sem ser convidado
no sarau com chás, torradas e alguns maridos.
Terno amassado com cheiro de brechó,
camisa bege encardida.
Recusou o chá, procurou vinho
e como está acostumado a achar espaços
em ônibus lotados,
foi fácil subir ao palco.
Com a voz beirando o grito
iniciou o poema:
-A puta!
Soou como sirene com cárie.
Olhos voltaram-se, como girassóis raivosos
para a palavra, tão vermelha
que manchou de rubro a face das senhoras.
E o constrangimento se manteve
até o arremate de Batista:
-A puta, de Carlos Drummond de Andrade!
Alívio entre as senhoras, sorrisos, e mesmo aplausos.
É Batista, confirma-se a tese
que o maldito está no poeta
e não na poesia.
Tuas doces poesias são consideradas malditas
só porque não lava as mãos antes de fazê-las.

De Solivam