segunda-feira, 28 de junho de 2010

Foto embaçada



Correspondente de guerra

Se a fotografia estava embaçada
é por que a maquina
chorava.



Fotografia e poema de Solivan

Estudos simbólicos sobre o público

A multidão é a mesma,
mas o poeta fala sem amplificação
para um exército de nucas indiferentes,
enquanto o ídolo está de frente para os rostos e aplausos.


Saiba, os pedantes são os alicerces econômicos da cultura.


Cruza o inferno até uma editora,
o impostor com a mesma gravata púrpura dos demônios,
quem pode pagar anjos mercenários com seu cartão de crédito,
o movimento com Sarissas:Um novo inseticidas
com um novo príncipe ativo.
Ou um Virgílio,
mas Virgílios são tão raros como Dantes


Cantores abóiam,
já os escritores tem que dissolver a manada
e fazer que cada vaca encontre um canto e leia seu livro.É uma tarefa mais árdua.

A platéia é aviário de águias recém-nascidas,
ávidas por engolir cobras e lagartos
jogadas por alguns rebeldes.
Já de uma ovelha no palco, só aceita doces.

Como morsas,
nas livrarias e bibliotecas, os livros dos vivos lutam contra os poderosos mortos
pelo feio harém de intelectuais.
Geralmente os jovens livros dos vivos são expulsos. I’ll be back.


Lembra,a inteligência santifica a inteligência,
criar é uma insinuação para o eterno.

De Solivan

Conversa com a esposa sobre meu dia

Não, senhor Prutok
infelizmente, seu plano de saúde
não lhe dará eternidade.
Pensei cinicamente,
enquanto ouvia
durante nossa partida de xadrez
o senhor Prutok
falar longamente sobre seu plano de saúde,
e das sete maravilhas tecnológicas
feitas para prolongar o sofrimento.
Eu estava voltado para o portão, com meus sapatos
imantados pela rua.
E achei novas ranhuras no visor do relógio.
Gosta de mim o velho, traz pistaches, arguile.
Deus, como é tedioso ser amado por insossos.
Como me irritei,
mas fixei uma agradável máscara da comédia,
quando me perguntou.
- Gostou do vinho?
- Sim, sim algo frutado, de um rubro intenso.
Calei, mas minha alma continuou.
É também marcante a presença
de acidulantes e conservantes
e tem um bem definido odor de aromatizante para
[automóveis.
Só Liszt dava-me certo alívio
engraçado esses pianistas
cumprimentam a platéia, sentam-se
e tiram sons maravilhosos
dedilhando presas de elefante.
Tem um analgésico?
Minha têmpora lateja como um coração.

De Solivan

Poesia alheia:Charles Bukowski

velho limpo

daqui a
uma semana farei
55.

sobre o que
escreverei
quando ele não
levantar mais
pela manhã?

meus críticos
vão adorar
quando minha diversão
passar a ser
tartarugas
e estrelas -do-mar.

chegarão inclusive a
dizer
coisas boas sobre
mim

como se eu tivesse
finalmente
alcançado a
razão.

De Charles Bukowski
Tradução:Pedro Gonzaga

terça-feira, 22 de junho de 2010

Taquaras




Fotografia de Solivan

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pensamentos dispersivos sobre minha reencarnação

Esta manhã quis que
meu rosto fosse
cega pedra de nascente
e sentisse a água fresca
temperada com musgos e folhas,
correr eterna sobre minha face.

E meu olhar distâncias
ou linha do horizonte
para ver o sol
estender sua luz limpa e quente sobre a terra,
como um lençol recém passado sobre
a cama.

Que de meus braços emplumados de folhas
e dedos transformados em galhos de árvores
pingassem tangerinas.

De Solivan

Dandi Vampire

A Baudelaire


Prefiro o gosto tão delicado do amor,
O doce carmim feminino ao velho e azedo.
É rançoso, amargo o sangue de pecador,
Avinagrado e rústico o sabor do medo.

Aguardo a ninfa mulher surgir da criança
E com ouro, tempo e charmosa adulação
Rubro néctar é preparado e descansa
No coração cheio, impregnado de paixão.

Identifico-me com brônzeos colibris,
Bebo alvas nucas e pulsos perfumados,
Destes seres faço meu brasão e Ex libris.
Tenho asco dos doentios notívagos alados.

Com beijo suave,o carmim vivo é degustado,
Sinto o melodioso coração adormecer
E sobre meu ombro cai o rosto reclinado.
É sempre alma, não o sangue saboreado.

Então no colo, levo as para jardins,
Lagos ou brancos e esvoaçantes dóceis.
São pálidas, combinam com rosas carmins.
Como que pousando as deixo em vergeis.

De Solivan

Poesia alheia:Helena Kolody

No Silêncio luminoso da tarde
as árvores desfolham-se em pardais.

De Helena Kolody

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Curitiba em dia cinza




De Solivan

Quando planejei um roubar uma livraria

Chuva,
corri para frente da livraria.
A chuva cai
como cortinas de miçangas da platibanda.

Um frescor cola na pele desprotegida
do rosto e braços.
Dá vontade de ficar nu.

Olhos ávidos de desejo
na vitrine da livraria,
livros com fascínio de jóias.
Vontade de assaltar a livraria
andar livre entre as estantes
encher-me de poesia com gula
sem critérios.
Eu sempre tão comedido
entre estas estantes
sedento e tendo que
contentar-me apenas com um ou dois goles.
Pegar o que quisesse
um bárbaro saqueando.
As mãos livres a colher
maduros e suculentos
livros de fotografia
de fauna e flora.
Filosofia, sobre pintores
romances e pornografia.
Pelo fundo, teria que entrar pelo fundo.
Que felicidade
engolir todos,
estrebuchar em cima dos livros,
sentir a segurança da quantidade,
folhear todos com o polegar
e ouvir um barulho reconfortante
parecido com o de maços de dinheiro
e cheirar aquele arzinho de livro novo
novinho, novinho.
Meia hora
meia hora de delírio.

Nuvens já dissolvidas
apanho um último estilhaço de nuvem na palma da mão
e lambo o gosto insosso de céu.

De Solivan

Maiakovski latinizado

Incakovski
Maiakovski
Astecakovski

De Solivan

Poesia alheia:Yao Feng

Peixe Salgado

Como um peixe salgado retornaria a vida?
em busca daquela agulha de prata
percorreu todo o mar,prometeu amor,
que só findaria,no caso de as montanhas despencarem
ou o mar secar
e,para o horizonte,saltou da água.

Agora,pendurado sob o sol,
deixa que a brisa o absorva até a última gota de mar.
E o sal que o destino o impõe
salga o tempo para além do mar.

Não conseguiu no entanto fechar os olhos
mesmo depois da morte.
Vendo que a chuva cai do telhado
para os rios,
o peixe amargo sonha
seu salgado regresso ao mar.

De Yao Feng,poeta chinês contemporâneo

Tradução de Yao Feng e Régis Bonvincino

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Arlequim ou Hamlet?

O mais sublime gosto

Quero fazer silibações para que Zeus
me entregue um pedaço de sua majestosas coxa
porque invejo Cronos,
o único
que teve em sua boca
o sabor dos deuses.
Experimentou o mais sublime alimento.
A magnífica carne de Zeus,
o gosto mediterrâneo de Netuno
e o terroso Hates
neste êxtase sentiu em todos
um pouco de seu próprio gosto.

De Solivan

Você que ladra motins

Você que ladra motins, rosna intentonas
sua ira não me engana
não é um revolucionário,
apenas um contrariado.
Sua revolta é porque quer
suas ovas de esturjão.
Se for aceito
tomara chá de servos as quatro da tarde.

De Solivan

Poesia Alheia:Ievguêni Ievtuchenko

Encontro em Copenhague


Sentados no aeroporto em Copenhague
atacávamos juntos o café.
Ali tudo era belo,
confortável —

Ambiente refinado como quê!
E de súbito
aquele velho surgiu,
japona simples e capuz verde oliva,
pele curtida
por lufadas salinas,
ou melhor,
não surgiu,
exsurgiu.
Caminhava,
singrando por turistas,
como se houvesse largado o leme faz pouco,
feito espuma do mar
a barba híspida
branca
emoldurava-lhe o rosto.

Com sombria decisão de vitória
caminhava,
erguendo uma onda volumosa,

através de antiqualhas
de um moderno postiço,

através do moderno posiçando o antigo.

E abrindo a gola da camisa rústica,
ele, rejeitando o vermute e o pernaud,
pediu ao balcão uma vodca russa
e repeliu a soda com um gesto:
“No...”
Mãos gretadas, com cicatrizes,
curtidas,
sapatos grossos, arrastando solas,
calças incrivelmente encardidas, —
era mais elegante
do que todos em roda!

A terra sob ele como que afundava,
com o peso daquelas passadas.
Um dos nossos sorriu-me:
“Ei!
Veja se não parece Hemingway!”
Caminhava,
expresso em gestos curtos,
andar de pescador, pesado, lento,
todo talhado num rochedo bruto,
como através das balas,
através dos tempos.

Caminhava, encurvado, como na trincheira,
abria caminho entre pessoas e cadeiras...
Parecia-se tanto com Hemingway!
— Depois fiquei sabendo:
era Hemingway.


IEVTUCHENKO, Ievguêni. Encontro em Copenhague. Trad. de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman.