terça-feira, 17 de abril de 2012

Libélula azul

Canto com um azul
da melopéia concreta
a libélula azul,
brilho azul,
reverberações azuis metálicas
de peixe azul prateado
azul, azul, azul
no seu exoesqueleto
as cintilações
têm um tilintar azul.
Luz azul

Luz azul

Passa num assobio azul
libélula azul,
cavalo de fada,
broche de safira no vento.
Libélula azul
que enfeita a boca do camaleão
na minha,
quando mastigo tuas sílabas
com um gosto
azul-amargo metálico de âmago,
deixa um persistente
hálito de libélula azul.

Logopéia azul
penso, logo não existo
que existir é coisa concreta
você apenas sente
libélula
e existe um pouco mais.
O osso não pensa, não sente
ele existe, mais que nós
dois juntos.

libélula,
quando eu for ossos
passo a existir libélula,
quando minhas substâncias
mesclarem-se ao planeta
e moverem-se somente pelos dedos
das leis da física,
libélula
esses dedos musicais
são única parte que conhecemos
do corpo de Deus,
libélula.

Fanopéia,
e se meu indicador
fosse azul, seria sua fêmea,
libélula azul
e se as minhas cordas vocais fossem de cristal
e cantassem como pássaro,
uma única nota vibrante longa e aguda,
e a respiração tivesse
sonoridade de água corrente
pousaria no meu peito
sobre
o meu coração de pedra
coberto de musgos
pousaria nele, libélula?
Quero
porque toda a pedra em que pousa
vira adjetivo, libélula azul.

De Solivan

terça-feira, 10 de abril de 2012

Autopiedade

Vinte três facas de prata em meu coração.
Vinte três cantos de minha dor.
E eram as três de la tarde.
E eram as três da la tarde.
Vinte três raios em meu coração.
Vinte três vesses implorei pela morte
de joelhos dobrados.
E eram as três da la tarde.
Vinte três crisóis de magna em meu coração.
Vinte três cascavéis que me odiavam aninhadas em meu peito.
E Fui carregado pelos meus pés e mãos de bronze
como as alças de um caixão.
E manchei com gritos os ouvidos de meu irmão
e eram três de la tarde.
Vinte três leões rubros mastigavam meu coração.
Vinte três piranhas nadavam dentro de mim.

Madre minha, madrezita,
vi teus olhos desolados como o céu azul
sobre os ciprestes.
Filho meu,
vi teus olhos assustados e quis afagar teus cabelos,
mas meus braços estavam mortos
e eram as três de la tarde.

Vinte três mil tocandiras em trançados de caranã envolverão meu coração.
Vinte três enxames de vespas ferroaram minha carne.
E bebi um cálice de morfina com água de miragem
e eram três de la tarde.

Porém uma garça branca pousou sobre meu peito
e disse fica.
E as sirenes ganiram,
e mãos cuidaram de mim
como pomba delicada cuida de seu ninho.
Mas na gruta de mármore negro havia números nos olhos do jaguar
e meus sinais vitais gotejavam irritantes por toda a noite
e no meu braço agulhas frias
moldadas com caninos de vampiros
e na minha boca um gosto de alecrim e metal.
Os mortos sentem em sua boca um gosto de alecrim e metal.
Então levantei no terceiro dia
e vi o sol puro e uma banca de jornal,
vi as moças bonitas
e sorri,
mesmo com passos de quem passeia
em um campo minado jardinado com açucenas,
e eram as três de la tarde.

De Solivan

terça-feira, 3 de abril de 2012

A reecarnação de Lorca-Poema 2

Ultima milonga para Paloma

Me vou,
Muda seu sobrenome
Paloma,
Que me vou,
Seva teu mate com outro.
Vou Paloma, que só os egoístas perdoam
Só os egoístas
Querem o manacá que não é mais dele.

Vou com três adagas no peito,
mas vou,
Buemo,melhor assim,
Pelas chagas te tiro,
Como fiz com uma bala chimanga
Que a revolução deixou em minha carne.
Conheço das feridas Paloma, já tive muitas,
As feridas gritam pela parte do corpo não existe mais,
Gritam pela parte que foi retirada pela faca.
E em ferida de amor,
Um gole de canha arde, mas ajuda a melhorar.

Tentei mudar o que eram rosas,
Mas as rosas não mudam nunca, Palomita.
Mas eu posso mudar
E ordenar minha boca
A sentir amargo tudo que antes era mel.
Me calo, vou cuspir minha língua,
Que o corpo apenas engole, mas a alma rumina
E só uma boca calada escuta a alma.
Alem do mas, tudo que tenho a dizer é o rude relho de um fim,
suavidades são cosas de um começo.
Não me olhes assim
Com estes olhos cor de folha de macieira
Que me vou galopar e o meio do mundo fica distante.
Vou só ate o meio Paloma,
Porque num passito alem do meio, já é retorno
E já chega de retornos
E já chega de palavras,
Que isto não é uma payada
Mas uma despedida.
Me vou,adeus Paloma.


Missões 1968




De Solivan