segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sobre Quedas e digressões






Os Polacos ao chegar
fatiaram araucárias
construíram suas casas.
Católicos, martelavam com vigor
porque sabiam que neste lenho puro imaculado
não tinha as mãos de Jesus.
A araucária não tinha o pecado do cedro.
Neste tempo
as ruas de Quedas mudavam
de plumagens ao ano
no verão áspero pó vermelho
no inverno uma nupcial neblina.
Mas dos eslavos e capivaras e pinheirais
da comunidade mítica
desta primeira dentição de madeira
restam apenas
algumas casas apodrecidas.
Hoje as ruas são praticas e cinzas
e prédios matemáticos
feitos de cimento e cálculos.
porem em
suas calçadas de hexágonos sem mel
ainda aparecem índios
vendendo balaios.
E sua solidão,sua ruima,me lembra
que esta cidade quando vista de um alto
ainda parece
uma destas cidades perdidas na mata.
Não gosto do sabor insosso
das linhas retas.
Artificialidades não gosto de artificialidades.
Gosto de Gaudí
que fez o frio concreto cometer excessos
cometer luxurias.
Já a voluptuosidade de Niemayer
é uma voluptuosidade seca, estilizada,
voluptuosidade tem que ter exuberância.
Seus edifícios parecem esterilizados, sem germes.
Não confio em lugares que não tenha germes
lugares santos são cheios de germes
a beleza e sempre cheia de germes.
Porem artificialidade não e desumana
a artificialidade e algo racional
portanto mais humana que a exuberância.
A exuberância esta sim e algo mais animal
mais artística.
Os bares de Quedas
são os nascedouros das lendas
a cachaça com ervas e lascas de sassafrás
é um santo daime, um peiote.
O Orixá Mario de Andrade desce
como espírito santo
a linguagem entra em transe
peixes tornam-se monstruosos
e em quantidade milagrosas,
os tiros são mágicos
e matam uma onça mitológica
e o caçador é o cavalo da anta morta
no êxtase, na língua do sonhar.
E alguém imita um polaco
coro de risos.
Das livrarias
gosto da livraria de seu João
heroicamente agarrada ao passado
um carrapato agarrado ao ano de 1967.
Mesmo o jornal do dia
se comprado na livraria do seu João
já sai um jornal cinqüentenário
e muito mais sábio que mesmo jornal
comprado na outra esquina.
Já é um jornal
para ser guardado
uma relíquia
uma peça de antiquário.

Vila dias
E uma favela paranaense
uma favela branca, de europeus pobres
com um pouco do marrom terra dos caboclos.
Lá e em todo o oeste e sudoeste do Paraná
a cultura gaúcha
encontrou-se com a do caipira.
E quando culturas se encontram
espera-se choque, divisão ou amálgama.
Nas não houve embate
nem o gaúcho e o caboclo mesclaram-se culturalmente
somente desenvolveram uma coexistência única
O paranaense singularmente adotou como sua
duas culturas que continuam distintas e puras
dentro dele
em uma dualidade tão natural
que nem é percebida.
Nos velórios da Vila Dias
o caixão fica dentro das casas
sala aberta como templo.
Reverenciado pela curiosidade
o morto como um santo no oratório
decorado com coroas de alumínio
cuja as flores cheiram a tinta esmaltadas.
Conversas, chimarrão, rezas e choro
fermentam num bolo sonoro
salgado com suor.
Percebe-se em alguns
um certo sentimento de triunfo festivo
os vivos sentem-se vitoriosos
perante a morte.
No bar, musica embriagada
e a vizinha assiste à novela
porque na vila dias a morte é cotidiana
e a morte sem os dramas
das mortes dos semideuses da classe media.
A morte é comum, domestica
é parte da vida
não causa traumas.
Gosto de artemistificar a morte
compara-la a quintais abandonados.
Porque vejo
na briga de galo
entre a guaxuma e o picão
renitência do sempre renascer.
Da inútil na insistência de florir
sua flor feia e dissonante
sua flor desperfumada.
Sempre que vejo quintais abandonados
sinto vontade de ser novamente
o menino
que via revoada de formigas-rainhas vestidas
com azas núpcias,
que enluarava telhados,
encavernava porões,
para-dificava guarda chuvas,
cachoeirizava torneiras,
e savanizava quintais abandonados.
De o meu brincar sem nunca individualizar
sem nomear, sem especificar
todas as formigas eram formigas.
Assim nada morre
tudo continua, se um gafanhoto morre
não importava
os gafanhotos não morreram
outro igual nascia e o pedaço era reposto.
Meus soldados também eram renitentes
morriam e renasciam
como gaxumba.
Só a perca era uma espécie de morrer
e o achar ressurreição.
Outros quintais abandonados
Em outros lugares são só quintais abandonados
Quintais oníricos
São os quintais de Quedas
Quintais com guaxuma e picão que reencarnam.


Poemas e ilustração de Solivan

8 comentários:

  1. Que luxúria esse seu poema, hein! uma releitura do épico e do ébrio! Amei!

    Só não concordo que nas obras de Niemeyer não há germes...estudei num edifício projetado por ele que o que só havia eram germes e de todas as espécies, sejam jurídicas ou protozoárias...hehehe...

    E, essa abordagem acerca da composição das múltiplas culturas, muito interessante a visão das misturas se contrapondo e gerando novas culturas e cada região se apoderando e explorando o mais lucrativo, muito bom isso!
    mas, seu poema é plural por demais, impossível abordar tudo sem virar um tratado antropológico...hehehe...

    PARABÉNS por sua arte tão exuberante!

    "flor desperfumada", uauuu...amei isso! e todo o resto, é claro, que é tudo!


    Beijos!!!

    Lu

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  2. lou, exuberante lou,cheia de germes benéficos
    mas construções em Brasilia do Niemeyer há na verdade vermes,concordo.

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  3. Amigo Solivan, seu poema é uma loooonga viagem que leva a gente a lugares paradisíacos. Impossível não viajar com eles. Eu é que sou mais sucinta nos meus poemas. Cada um com seu estilo, né?
    Sobre Quedas e Araucarias: Pelo menos na praça de Quedas - mas que não cai - tem linda araucária, que continua em pé, altaneira... não é?
    abraços da sempre amiga Anair Weirich
    PS: Meu livro com capa feita por vc sai mesmo ano que vem, o menino dos desenhos internos não está dando conta por causa da faculdade dele.
    bjs!

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  4. ok Anair,o meu também esta atrasado,mas uma hora sai.

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  5. eu como pé-vermelho, me encho de nostalgia
    Vi uma araucária há pouco tempo, num parque de Curitiba. Que majestade...
    Guaxuma...minha mãe adorava fazer varinhas para "educar" a gente. Ardiam nas pernas...
    E picão, minhas roupas viviam cheias...ainda sinto, às vezes encontro um ou outro; e maria preta, juá, flor-de-maravilha...vc podia fazer um livro de prosa poética, seria uma beleza
    bj da neuzza

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  6. Vou fazer Neuzza,mas será um poema longo e mítico.

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  7. Eu esperarei o livro de prosa poética sugerido por Neuzza, Solivan. Enquanhto isso fico aqui olhandoessa cultura derramada em forma de poesia e conhecendo através dos seus olhos coisas, palantas e imagens que sóvi e me embriaguei nos livros da escola. Obrigada pela sensibilidade e exposição contínua da sua verve. Quanto a Niemayer, sou completamente rendida a sua arquitetura. Amo a catedral de Brasília com aqueles anjos caindo do céu e o eco invadindo as paredes. Amo belo Horizonte porque conheci a Pampulha, a sua sinuosidade, o seu traço moderno dentro de curvas e retas, enfim. Acho que a única coisa medonha que ele fez num momento de pura humanidade foi um hotel horrível em Ouro Preto. Beijos, meu querido! pensar nessas coisas, em germes, é fascinante. Também aguardo um livro Alforrias (gestação longa, cansativa e prejudicial ao meu fazer literário).

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  8. oi Rita,esta mais difícil que nunca editar,triste
    as vezes me sinto escrevendo para as paredes,ainda bem que ha pessoas como você, a Neuzza e a Lou,que dão alento e conforto,
    quanto a Niemayer,não gosto,que posso fazer.
    ou melhor gosto de poucas coisas dele.

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