segunda-feira, 20 de junho de 2011

No planeta dos macacos cegos ,surdos ou mudos




O chimpanzé Lúcidus
observa os outros macacos.
A macaca que olha uma vitrine com as mãos nos ouvidos,
as balconistas com mãos nos olhos,
transeuntes engravatados com as mãos nas bocas,
um pastor–camelô
pregando em uma esquina com as mãos do sexo,
vendendo indulgências e milagres.
Inveja a todos,
todos estão com suas mãos
escondendo um dos sentidos.
E olha para seus braços tristemente pensos.
É verdade que as vezes tem o cuidado,
se a situação é muito perigosa
de levar suas mãos para os olhos,
sente-se um covarde,
mas já foi agredido a cotoveladas.
Já é tarde, Lúcidus está angustiado e atrasado,
procura o sol entre os prédios,
está anoitecendo e a noite é perigosa..
Tinha que voltar para casa logo.
Entra no metrô e senta na única cadeira reservada
para pessoas sem deficiências,
sente o desconforto da multidão,a raiva velada
dos macacos cegos ,dos surdos, dos mudos.
Cobra-se, podia ter disfarçado posto as mãos na boca
e sentar em qualquer lugar.
Olha para baixo, para o chão metálico
e pensa que olhar o chão
não é igual a esconder os olhos sob as mãos,
pensa se devia encarar,ser arrogante.
Lúcidus é ator ,os outros atores da sua trupe,
apesar de também terem
as mãos escondendo os sentidos,
o aceitaram. As vezes acha que o tratam bem demais
desconfia,sente-se novamente só.
Seu personagem na peça é um banqueiro
que tem as mãos na orelha,
então Lúcidus faz o personagem com as mãos na orelha.
Acha estereotipado,
é típico de personagens políticos ou empresários
terem a mão na orelha,
já os clientes e eleitores geralmente são cegos.
Seria mais verdadeiro se o seu personagem
mudasse, tapasse os olhos e em outras ocasiões,a boca.
assim como são os verdadeiros bancários ,
os verdadeiros empresários e políticos,
mudam a posição das mãos quando convêm.
Bom ,não se pode esperar muito da peça,esperar texturas,
é um drama-cômico, contado no passado,
uma daquelas estórias
que no momento que acontece parece trágica,
mas depois de passado algum tempo, se tornam cômicas.
Se contada em uma festa é motivo de gargalhadas.
Desce perto de seu apartamento, faltam poucas quadras.
Passa por alguns adolescentes,
o que está com a mão na boca encara Lúcidus,
no dorso de sua mão esquerda está tatuado um lábio.
Lúcidus sente o perigo, desvia,vai para outro lado da rua
anda um pouco mais sem olhar para trás
e só depois verifica se não está sendo perseguido.
Alívio, não está.
Estes que desenham, tatuam transgressões,
podem serem os mais dogmáticos.
Lembra de sua prima cega, que maquia o dorso das mãos
com dois olhos, é na família a que menos o aceita,
“Chegou o braço frouxo,” é seu comprimento.
Agora é passar pela praça da igreja e está quase em casa.
A igreja é linda, no altar está uma
estátua do macaco de seis braços
que consegue esconder com eles todos os sentidos.
Foi feita por artista famoso de braços pensos,
alguns poucos de braços pensos venceram na vida.
Dobra a esquina, rua quase vazia, olha as costas de catedral,
depois do muro que cheira urina
está no seu bairro,
nele há muitos de um braço no olho e outro na boca
ou na orelha e outro no na boca.
Mestiços, com um dos seus braços
normalmente direcionados a boca.
Na boca, se bem apertada, basta uma das mãos.
São todos orgulhosos
de terem um e meio sentidos escondidos,
o que os deixa mais religiosos.
Consequi- Pensa Lúcidus,
ao ver seu prédio mofado.
No elevador, finalmente sente segurança,
o ar denso parece um reconfortante líquido amniótico,
suspira,relaxa, solta os ombros.
Entra no seu apartamento
-Boa noite mãe, assistindo Tv?
-Boa noite filho,como foi?
-Bem,bom público.-Mentiu
-Venha ver filho,venha ver.
Lúcidus detesta programas de auditório,
contrai a boca fisgado por um leve asco.
-Depois mãe.Vou tomar um banho.
- Não. Assista,está no final.
A mãe explica que é uma história linda
de um macaquinho que nascido sem um dos braços,
tinha que ficar com o olho esquerdo sempre exposto,
o coitadinho,sua mamãezinha quer receber uma
prótese do programa” O Sonho é real”.
Lúcidus senta, contrariado para não contrariar.
Mas o apresentador faz suspense e pede os comerciais.
Lúcidus pensa
-O apresentador tem mãos no ouvido,
só que tem mãos pensas como eu
cuidam de onde estão as mãos dos outros.
Debocha intimamente de si mesmo.
e aproveita o intervalo para sair.
- Vou tomar banho-Diz abandonando a sua mãe na sala.
Quando o programa retorna,
As câmaras mostram a apreensão no rosto
da mãe do macaquinho.
-Será que conseguiu? -Entoa o apresentador.
-Será!?faz uma pequena parada- Sim,sim, você conseguiu!
Conseguiu !conseguiu!Colocando toda a euforia
que conseguiu na voz.
Close,Mostram as lágrimas de alegria da mãe
e depois a platéia emocionada, as lindas bailarinas
fazendo caricaturais sinais de vitória.
O macaquinho coloca seu novo bracinho artificial, rindo,
ficou perfeito como se nunca tivesse perdido o braço.
Pelos, cor, unhas,simétricos, idênticos a um de verdade,
Elevou pela primeira vez
ambas as mão aos olhos,
finalmente cego, é abraçado pela mãe,
O apresentador pede ao macaquinho para
abrir bem os antebraços, retira-los da frente do sorriso.
A câmara mostra seu sorriso encantador,
Sua alegria contagia a todos,platéia e telespectadores.
Lúcidus estava no banho e ainda não sabia da vitória do macaquinho
mas estava torcendo para que o menino recebesse a prótese.


Poema-conto de Solivan

6 comentários:

  1. vou voltar depois para ler com atenção.

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  2. há tanta hipocrisia no mundo...e Lúcidos ainda torcia para o menino macaco ganhar um braço para ser hipócrita como o resto? Caracas...acho que não entendi...rss

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  3. Então mari,ele torcia por saber o quanto e difícil ser deslocado.

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  4. A sociedade muitas vezes exerce uma série de pressões anônimas sobre nós que nos ferem no nosso direito de cidadão. Tapar um ou mais dos sentidos pode ser uma maneira de nos sentirmos aceitos de “parecer” iguais. Mas a escolha é sempre nossa.

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  5. Oi Rosane,que bom que veio,sua visita me deixa feliz.

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  6. Solivan querido

    tenho sentido o preço alto pela recusa a ser hipócrita, a ter camadas e camadas, a buscar dentro de mim no mais fundo
    Dane-se. Te gosto
    eu desapareço às vezes porque fico intolerante, cansada.

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