sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre Quedas e digressões



Sobre Quedas e digressões


Os Polacos ao chegar
fatiaram araucárias
construíram
com este lenho puro imaculado
suas casas.
Católicos martelavam com vigor
porque sabiam que neste lenho puro imaculado
não tinha as mãos de Jesus.
A araucária não tinha o pecado do cedro.
Neste tempo
as ruas de Quedas mudavam
de plumagens ao ano
no verão áspero pó vermelho
no inverno uma nupcial neblina.
Mas dos eslavos e capivaras e pinheirais
da comunidade mítica
desta primeira dentição de madeira
restam apenas
algumas casas apodrecidas.
Hoje as ruas são praticas e cinzas
e prédios matemáticos
feitos de cimento e cálculos.
porem em
suas calçadas de hexágonos sem mel
aparecem índios
vendendo balaios.
sua solidão lembra
que esta cidade quando vista de um alto
ainda parece
uma destas cidades perdidas na mata.
Não gosto do sabor insosso
das linhas retas.
Artificialidades, não gosto de artificialidades.
Gosto de Gaudí
que fez o frio concreto cometer excessos
cometer luxurias.
Já a voluptuosidade de Niemayer
é uma voluptuosidade seca, estilizada.
voluptuosidade tem que ter exuberância.
seus edifícios parecem esterilizados, sem germes.
Não confio em lugares que não tenha germes
lugares santos são cheios de germes
a beleza e sempre cheia de germes.
Porem artificialidade não e desumana
a artificialidade e algo racional
portanto mais humana que a exuberância.
A exuberância esta sim e algo mais animal
mais artística.
Os bares de Quedas
são os nascedouros das lendas
a cachaça com ervas e lascas de sassafrás
e um santo daime, um peiote.
O Orixá Mario de Andrade desce
como espírito santo
a linguagem entra em transe
peixes tornam-se monstruosos
e em quantidade milagrosas
os tiros são mágicos
e matam uma onça mitológica
e o caçador e o cavalo da anta morta
no êxtase, na língua do sonhar.
E alguém imita um polaco
coro de risos.
Das livrarias
gosto da livraria de seu João
heroicamente agarrada ao passado
um carrapato agarrado ao ano de 1967.
Mesmo o jornal do dia
se comprado na livraria do seu João
já sai um jornal cinqüentenário
e muito mais sábio que mesmo jornal
comprado na outra esquina.
Já é um jornal
para ser guardado
uma relíquia
uma peça de antiquário.

Vila dias
E uma favela paranaense
favela branca, de europeus pobres
com um pouco do marrom terra dos caboclos.
Lá e em todo o oeste e sudoeste do Paraná
a cultura gaúcha
encontrou-se com a do caipira.
E quando culturas se encontram
espera-se choque, divisão ou amálgama.
Nas não houve embate
nem o gaúcho e o caboclo mesclaram-se culturalmente
somente desenvolveram uma coexistência única
O paranaense singularmente adotou como sua
duas culturas que continuam distintas e puras
dentro dele
em uma dualidade tão natural
que nem é percebida.
Nos velórios da Vila Dias
o caixão fica dentro das casas
sala aberta como templo.
Reverenciado pela curiosidade
o morto como um santo no oratório
decorado com coroas de alumínio
cuja as flores cheiram a tinta esmaltadas.
Conversas, chimarrão, rezas e choro
fermentam num bolo sonoro
salgado com suor.
Percebe-se em alguns
um certo sentimento de triunfo festivo
os vivos senten-se vitoriosos
perante a morte.
No bar, musica embriagada
e a vizinha assiste à novela
porque na vila dias a morte é cotidiana
e a morte sem os dramas
das mortes dos semideuses da classe media
a morte é comum, domestica
é parte da vida
não causa traumas.
Gosto de artemistificar a morte
Compara-la a quintais abandonados.
Porque vejo
na briga de galo
entre a guaxuma e o picão
renitência do sempre renascer.
Da inútil na insistência de florir
sua flor feia e dissonante
sua flor desperfumada.
Sempre que vejo quintais abandonados
sinto vontade de ser novamente
o menino
que via revoada de rainhas vestidas
Com azas núpciais
em dias de sol e chuva juntos
que enluarava telhados
engrutava porões
para-dificava guarda chuvas
cachoeirizava torneiras
e savanizava quintais abandonados.
De o meu brincar sem nunca individualizar
sem nomear, sem especificar
todas as formigas eram formigas.
Assim nada morre
tudo continua, se um gafanhoto morre
não importava
os gafanhotos não morreram
outro igual nascia e o pedaço era reposto.
Meus soldados também eram renitentes
morriam e renasciam
como gaxumba.
Só a perca era uma espécie de morrer
e o achar ressurreição.
Outros quintais abandonados
Em outros lugares são só quintais abandonados
Quintais oníricos
São os quintais de Quedas
Quintais com guaxuma e picão que reencarnam.


De Solivan

5 comentários:

  1. Toda cidade deveria ter um poeta para desenhá-la assim, tão lindamente!!

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  2. Obrigado Beatriz,seu comentário me faz muita falta.

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  3. Desde que cheguei ao sul tenho a mesma impressao sobre as cidades: milimetricas e insossas (principalmente sobre as ruas).
    Otimo poema, parabens!

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  4. Ola Christiano,acho uma pena, nao temos mais
    quase nada da velha quedas,das casas de madeira
    do Sudueste do Pr,estas casas parecem que nos envergonham quando deviam ser nosso orgulho.

    Obrigado pela sua visita.

    Solivan

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  5. .."Gosto de Gaudí
    que fez o frio concreto cometer excessos
    cometer luxurias.."

    Belíssimo.!
    Adriely Comarella.

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